quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Comunicar a Dança

por Igor Gasparini


            Não se deve perder de vista a ideia de que “comunicar significa estabelecer ou ter coisa em comum” (SFEZ, 1994, p. 38), e assim, não se pode esquecer que coreógrafos se comunicam e devem levar essa proposta em consideração. A comunicação funcionará quando cada um for continuando, na forma da sua interpretação, aquilo que encontrou na obra, sem a preocupação de fechar um único entendimento. Estabelecer o que é certo e errado/verdade e mentira é ainda mais complexo quando o assunto é arte. Não cabe aquilo que o verbal pratica na forma de um acordo com relação a uma compreensibilidade aproximada da mensagem. Segundo Rüdiger (2004), ninguém entra em comunicação com outras pessoas se não tiver a pretensão de se fazer compreender ou ser compreendido.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)

Denise da Costa Oliveira Siqueira, ainda em seu livro Corpo, comunicação e cultura – a dança contemporânea em cena, concorda com tal posicionamento, pois defende que o processo de comunicação envolve a construção de sentido, já que a troca de mensagens traz signos os quais os enunciadores dão os mesmos significados, fazendo nascer esse sentido.

Ainda na mesma linha de pensamento, para Lucien Sfez (1994, p. 39), a mensagem deve sempre dizer alguma coisa. “Não se fala para não se dizer nada ou para não ser entendido. Embora não se ocupe do estado dos sujeitos situados nas duas extremidades da cadeia, a semiologia estrutural presume que os dois sujeitos falam e desejam comunicar alguma coisa”.

            O mesmo autor ainda defende a representação como a primeira definição da comunicação. Nesse sentido, a comunicação é a mensagem que um emissor envia a um receptor por meio de um canal, conforme as teorias clássicas da comunicação. Para ele, a teoria da representação distingue o mundo objetivo a representar e o mundo efetivamente representado unidos por um mediador.

            Os diversos elementos comunicados serão percebidos diferentemente pelo público e esta percepção, como defende Adolfo Sánchez Vázquez, é um ato particular, que não se reduz a uma atividade sensorial, mas estabelece uma experiência psíquica mais complexa. Em sua obra Convite à estética (1999), defende que é um processo que combina recordações, elabora imagens e desperta reações afetivas. Perceber é, assim, um processo complexo, no qual também se pensa, se sente, se recorda. Apesar de individual, a percepção é um ato intrínseco à qualidade social, por estar contextualizada na sociedade (com todos os elementos culturais envolvidos) em que o indivíduo está inserido.

            Lucien Sfez também amplia a discussão e define a comunicação como expressão, abandonando o envio, por parte de um sujeito emissor, de uma mensagem calculável a um receptor. Não havendo emissor, canal e receptor, no modelo expressivo, a comunicação é inserção de um sujeito complexo em um ambiente igualmente complexo. Este faz parte do meio, e o meio faz parte do sujeito, ambos praticando trocas constantes. A realidade não é mais objetiva (no sentido de completamente fora do sujeito que a observa), mas faz parte do próprio sujeito. Por essa ótica, bailarino e espetáculo, obra e espectador estão em um mesmo meio, um se valendo do outro, na construção da comunicação.


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)

            Por essa linha de entendimento das relações em troca, Nicolas Bourriaud defende a obra de arte como interstício social em Estética relacional.

“A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma versão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna.” (BOURRIAUD, 2011, p. 19/20).

            Bourriaud defende que a arte sempre foi relacional em diferentes graus, ou seja, fator de sociabilidade e fundadora de diálogo. Isso porque propicia o “estar-juntos”, um encontro entre a obra artística e a elaboração coletiva do sentido, mais uma vez ratificando a existência de comunicação entre arte e espectador, espetáculo e público. É através da arte que o artista inicia o diálogo e a prática artística residiria na invenção de relações entre sujeitos. “Cada obra de arte particular seria a proposta de habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o infinito.” (BOURRIAUD, 2011, p. 31). O autor ainda cita Michel Maffesoli, concordando que a arte, além da comunicação, cria empatia e compartilhamento, gerando vínculo.

Asa Briggs e Peter Burke (2004) afirmam que a comunicação mais efetiva é a que apela simultaneamente para os olhos e os ouvidos, combinando mensagens verbais com não-verbais, musicais e visuais. Ora, pode parecer a descrição de um espetáculo de dança, mas os exemplos dos autores remontam aos iconotextos das imagens religiosas ou às procissões. Ainda assim, pensar que a dança se utiliza desses elementos é acreditar no potencial comunicativo inerente a ela.  

E é nessas múltiplas relações entre espetáculo e público que a comunicação acontece, nas inter-relações entre artistas e quem o assiste que esta pesquisa esteve interessada, defendendo que tudo isso deva ser considerado na criação de um espetáculo, já que se apresentará a um público.

Por fim, as diferentes abordagens da comunicação aqui trazidas tem como propósito revelar as diversas possibilidades de se abordar a comunicação, de modo a impedir a produção de um discurso empobrecido para a comunicação entre dança e público, empobrecido pelo preconceito que a desinformação produz.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)



Referências:

BOURRIAUD, N. Estética relacional. [S.l.]: Martins Fontes, 2001.

BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma história Social da Mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação: problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.

SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.

VÁZQUEZ, A. S. Convite à estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.



Capítulo da Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Eu não gosto de atendentes de supermercado!


Uma reflexão sobre corpo, dança, intolerância e hábitos cognitivos.

Por Igor Gasparini


            Ao realizar a disciplina "Mídias e impactos socioculturais: corpos, presença, avatares, subjetividades e o mal-estar nos ambientes midiáticos" no mestrado, deparei-me com perguntas que me pareciam sem resposta clara e objetiva, mas que me fariam refletir ao longo dos meses. Quem sou eu neste mundo online/offline? Que corpo é esse? Qual o sujeito deste ambiente? Logo de início, constatei que a vida digital extrapola o computador e está enraizada em nossos corpos. Um bom começo. Mas ainda distante de algum lugar... E a inquietação fez a reflexão prosseguir.

            O segundo desafio foi o de relacionar tais reflexões com a pesquisa em andamento sobre o corpo e o jornalismo cultural nos processos de comunicação com o espectador. Mas logo reconheci que o corpo, objeto de estudo da minha dissertação, sendo mídia de si mesmo (Teoria Corpomídia de KATZ e GREINER), está sempre comunicando quais informações o constituem em cada momento. E este é o momento de maior permeabilidade entre online/offline.

            As muitas horas dedicadas ao ambiente digital, nos mais diversos dispositivos, desencadeiam mudanças significativas no corpo e promovem alterações cognitivas substanciais neste homem contemporâneo. Tornou-se natural realizar muitas coisas ao mesmo tempo, bem como em uma tela de computador com várias janelas e hiperlinks, o corpo adaptou-se a uma nova realidade, alterando nossa capacidade de atenção. Como consequência, pessoas cada vez mais intolerantes, visto que qualquer momento de pausa, qualquer situação que lhe faça parar por alguns segundos, tornou-se sinônimo de “perda de tempo”. A moça do caixa do supermercado não consegue encontrar o código de barras no produto? O leitor não identifica?  Socorro! Tirem-me daqui antes que eu mate essa mulher!




            Uma situação como essa é apenas um exemplo de como a vida offline é hoje um reflexo do que ocorre online (se é que ainda podemos separar), pois uma está contaminada pela outra. O leitor de código de barras e a página que não abre na internet são sinônimos de “perda de tempo” e a sensação é de que isso não pode, de maneira alguma, ocorrer.

            Ao assistir a um filme antigo, por exemplo, o corpo estranha a lentidão. É incômodo e desconfortável fisicamente, visto que o corpo sente falta dos excessos, das múltiplas imagens e do barulho intermitente já adaptados em nossas vidas. Perde-se a paciência muito rapidamente, e isso gera mais intolerância nas relações sociais. 

Segundo o filósofo Roberto Esposito, essa realidade gera um “comportamento imunizado”, fazendo com que os indivíduos estejam “blindados” para viver em sociedade. É tudo muito rápido e não se pode perder tempo, então, experimenta-se do mal para, ao encontrá-lo, não ter novas consequências. Em termos culturais, todos estão sempre prevenidos, mas ao mesmo tempo, cada vez mais impacientes. Para ele, as pessoas estão imunizadas da possibilidade de estarem juntas, não sendo mais possível viver em comunidade.

“Isto que vai imunizada, em suma, é a comunidade mesma em uma forma que juntamente a conserva e a nega – ou melhor, a conserva através da negação de seu originário horizonte de sentido. Deste ponto de vista se poderia chegar a dizer que a imunização, mais que um aparato defensivo sobreposto à comunidade, está em sua engrenagem interna. [...] Para sobreviver, a comunidade, cada comunidade, é constrangida a introjetar a modalidade negativa do próprio oposto; ainda que tal oposto permaneça um modo de ser, na verdade privativo e contrastante, da comunidade mesma” (ESPOSITO, 2004, p. 48-49).

O “eu” ganha força e o “ser em sociedade” torna-se cada vez mais raro, uma vez que os hábitos cognitivos são insuflados apenas pelo “eu”, pelos desejos individuais, pelos interesses egóicos, passando a não existir vida compartilhada. Consigo perceber essa “imunização” na atuação de muitos coreógrafos de dança. Preocupados apenas com a própria criação (“eu”), desconsideram o papel social que a arte possui ao entrar com comunicação com o público.

E mesmo que o propósito dos envolvidos com a dança não seja o de buscar um significado específico para um espetáculo, defendo que se mantenha uma postura cuidadosa com relação à criação, com consequente necessidade de zelar para o que aqui estou nomeando de “vontade comunicativa”. Uma obra que apenas massageia o ego artístico de cada intérprete ou coreógrafo, sem levar em conta seu compromisso com o outro (com o público para o qual se apresenta), a quem deveria propor um diálogo estético de interesse coletivo, deve ser repensada para abrigar essa preocupação, sem que isso signifique desistir de seus propósitos artísticos. Na mesma linha de defesa, Hegel, em O belo artístico ou o ideal, defende que “deva haver um acordo entre a subjetividade e o contexto, pois a obra deve dialogar com o público”. (HEGEL apud SIQUEIRA, 2006, p. 86).

Partindo, então, da premissa que todo espetáculo comunica algo (mesmo que seja o interesse egóico de seu criador) e que esse algo está sempre chegando ao público de alguma forma – sendo essa a razão que sustenta a necessidade do criador manter uma atenção sobre a forma de comunicar as suas propostas artísticas – vale lembrar que há muitas instâncias participando da comunicação entre obra e público e que, dentre elas, o corpo tem um papel de destaque, esse corpo online/offline com todas as suas características de um, de outro, e de ambos os contextos.

As artes enfrentam hoje uma dificuldade suplementar, que é a de conseguir fazer com que um possível interessado naquilo que cada uma delas propõe consiga abrir esse tipo de espaço e de tempo em sua vida; pois se vive o mundo da aceleração constante e do deletar tudo o que desagrada ou não capta a atenção instantaneamente. A plateia dos espetáculos de dança se forma, atualmente, com os que vivem essa realidade; daí a necessidade de se compreender a dificuldade em conseguir criar esse momento de pausa no dia a dia, que dificulta a possibilidade de se viver o encontro com a dança como uma experiência transformadora. Isso reflete diretamente na dificuldade de atingir um público maior e mais diversificado para a dança, algo a ser considerado pelos artistas e coreógrafos.

Refletindo sobre esse conceito de “deletar”, o termo, por si só, já se refere a uma ação realizada no ambiente online, porém, foi incorporado ao dia a dia como algo da vida offline. No primeiro, o desejo regula a ação: não gostou, deleta. Neste outro local, porém, não é possível “deletar”, há a necessidade de tolerância. Infelizmente, não posso mandar a atendente do supermercado para a lixeira, então, o jeito é conviver (viver com), algo exclusivo da realidade offline.



Referências

ESPOSITO, R. Bíos: biopolitica e filosofia. Torino: Einaudi, 2004.

ESPOSITO, R. Community, Immunity, Biopolitics. Terms of the Political. New York: Fordham University Press, 2013.


SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Tango do Ballet Stagium


Por Igor Gasparini


            Comovido pelo incêndio que consumiu o Auditório Simón Bolívar, do Memorial da América Latina, na última sexta-feira (29), lembrei-me de um texto que escrevi sobre o projeto “Conexão Latina”, série de eventos promovida há cerca de sete anos neste local. Após uma releitura, percebi que, dada a referência do Ballet Stagium como companhia de dança paulistana há muitas décadas, o texto continuava atual.



O Ballet Stagium, tradicional companhia de dança de São Paulo, desenvolveu um espetáculo com a cantora Amelita Baltar, interpretando músicas portenhas de Astor Piazzolla com um estilo que funde a elegância do tango com uma movimentação contemporânea característica do grupo.

A parceria iniciou no final da década de 90 e o reencontro surgiu à convite do Memorial que trouxe Tangamente para o palco do Auditório Simon Bolívar.  Amelita começou o show cantando algumas músicas solo e, a partir de então, foi acompanhada por coreografias de Décio Otero, com direção cênica de Marika Gidali.

Para aqueles que esperavam assistir a coreografias de tango, a expectativa é frustrada, pois a companhia utiliza do tema, da força e de alguns movimentos característicos da dança portenha como inspiração para uma criação autoral, que muito se assemelha ao estilo tradicional do Ballet Stagium. Assim, o espetáculo torna-se único por levar o ideal da conexão a fundo, visto que não se vê no palco as fronteiras entre Brasil e Argentina.




O Stagium nasceu em 1971, na união de Marika Gidali e Décio Otero, até hoje diretores da companhia, com o intuito de ser um grupo em que bailarinos pudessem se profissionalizar. Enquanto o teatro, a música e o cinema eram amordaçados pela censura do regime militar, o Stagium iniciou seus primeiros passos na recusa pela alienação, traçando um percurso reconhecido na dança brasileira.

Segundo Décio, “o bailarino precisa estar no palco e não preso em uma sala de ensaios”. Com esta filosofia, desde a década de 70 até os dias de hoje, sempre percorrendo o Brasil, a companhia continua como referência no cenário da dança contemporânea. Ele afirma que, ao longo dos anos, buscou firmar uma escritura da dança com menções essencialmente brasileiras, inspirados nas mais diferentes manifestações culturais do país como o folclore, a literatura ou o cinema, interpretando espetáculos com trilhas sonoras completamente brasileiras de ritimistas populares a Chico Buarque.

Entretanto, essa linha de trabalho não impediu que a companhia realizasse parcerias com coreógrafos internacionais ou que tivessem como tema a cultura estrangeira. Assim foi o encontro entre o Stagium e Amelita Baltar. O primeiro contato ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, ocasião em que o Stagium realizou um espetáculo e a intérprete portenha lhes foi apresentada. Décio afirma que, sem nenhuma pretensão, disse a ela: “quem sabe um dia a gente não trabalha junto”.  Passaram alguns anos e, ao se deparar com um CD de Amelita, ficou inspirado a coreografar para a companhia. Fizeram o convite à cantora para que realizasse o espetáculo Tangamente junto com o Ballet Stagium, o que foi aceito prontamente por ela, conforme conta o diretor Décio Otero. Realizaram então uma turnê pelo Brasil e estiveram juntos por três temporadas.  Décio considera uma parceria muito valiosa e afirma “para mim, é uma honra trabalhar com Amelita Baltar, uma das melhores intérpretes femininas”.

Outros trabalhos da companhia que tem a América Latina como destaque são À minha América, que surgiu após uma viagem a alguns países e que conta com músicas do Chile, do Uruguai, da Guatemala, entre outros; o espetáculo intitulado “Santa Maria de Iquique”, que retrata um contexto político e social chileno de exterminação indígena; além de algumas parcerias com coreógrafos argentinos.

Décio ainda afirma que, “principalmente em dança, a presença latino-americana é muito pouco expressiva; não existe nada da América Latina por aqui”, quando questionado sobre como vê a produção cultural dos países hispânicos no Brasil. Ele garante que existem diversas boas companhias, faz referência a alguns países e ainda deixa um recado para a que a organização do Memorial seja mais ativa na difusão cultural de produções não só em dança, mas em todas as manifestações latinas.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Teatro Alternativo


Por Igor Gasparini 

     O teatro com pouca verba de produção, ou mais conhecido como “teatro de circuito alternativo” trata-se de uma opção bastante presente nas grandes metrópoles. Diversos grupos e pequenas companhias, aspirando crescimento na área, tentam buscar representatividade, realizando sua arte nestes espaços alternativos, pequenos teatros ou ainda em locais específicos para estes fins.

(Imagem da Internet)

     Com menos de 100 lugares, artistas precisam cuidar de todo o processo de produção do espetáculo, desde os ensaios e a atuação, até a captação de patrocínios e a busca por atrair o público para o espetáculo. É uma necessidade que faz com que os artistas tenham que procurar por apoio direto ou por qualquer retorno de mídia espontânea. Ainda assim, o principal atrativo é mesmo o “boca-a-boca”. 

     Nestes contextos, conforme pôde ser comprovado em entrevistas realizadas no “Espaço dos Satyros”, localizado na Praça Roosevelt, em São Paulo, local conhecido por ser referência no circuito alternativo, a principal motivação do público para assistir aos espetáculos é por ser indicação de algum amigo ou conhecido. É comum também se observar que o público possui interesses semelhantes e é composto principalmente por atores e estudantes de teatro que prestigiam a peça com o intuito de conhecer o trabalho de seus colegas de profissão ou apenas por assistir a algum espetáculo que conta com algum amigo no elenco. 

     Assim, vê-se pouca diversidade de público em uma peça de circuito alternativo, visto que, conforme pôde ser comprovado pelas entrevistas, as idades são muito próximas (adultos jovens) e possuem características bastante semelhantes, traçando um perfil específico e diferenciado daquele encontrado nas produções de alto orçamento. 

     Ao serem questionados sobre o que pensam das grandes produções de teatro, a maioria concorda que os valores do ingresso são elevados e que preferem frequentar o ambiente descrito aqui. As grandes produções, mesmo mantendo seus ingressos a valores que ultrapassam facilmente os cem reais, em teatros com capacidade de lotação para centenas de pessoas, permanecem em cartaz por muitos meses. 

     O que difere então um contexto do outro? Por que para o teatro alternativo é difícil lotar suas casas? Trata-se de uma questão de qualidade? O valor do ingresso corresponde à qualidade, ao “valor” do espetáculo? Se todas as produções são manifestações explícitas de cultura, por que essa grande diferença entre o perfil do público, do preço do ingresso e da quantidade de pessoas presentes? Seria a mídia responsável por confundir entretenimento com cultura, valorizando os “artistas conhecidos” e fazendo-os destacar diante de seus pares? Em minha opinião, não se trata da qualidade, mas de uma atitude da mídia de avalizar o que deve ou não ser consumido, o que gera um empobrecimento do repertório cultural.  



domingo, 17 de novembro de 2013

A relação entre Comunicação, Espectador e Dança - Texto 02


por Igor Gasparini

            A linguagem artística é sempre formada por muitos símbolos. Nela, uma cor, o silêncio, um figurino, um objeto, não estão sendo usados do mesmo modo como eles existem na vida cotidiana. Na arte, estão em uma função simbólica, isto é, estão representando algo. O silêncio, por exemplo, deixa de ser a ausência de ruídos e sons e pode passar a indicar uma incomunicabilidade, ou a representar uma ausência, ou um momento de extrema tensão. Evidentemente, o fato das linguagens artísticas se estruturarem com símbolos dificulta aquele desejo de traduzi-las como se faz com a linguagem verbal. Como garantir um sinônimo para um símbolo?

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)

Seja na dança ou em qualquer outra linguagem artística, como conseguir um consenso para o significado de um símbolo, quando se sabe que cada cultura produz as suas simbolizações e elas não são universais? Essa compreensão vai na direção do objeto que aqui se pesquisa: como comunicar quando os envolvidos no processo de comunicação lidam de maneiras distintas com os símbolos?

Em toda comunicação, segundo Rüdiger (2004), verifica-se a ocorrência de processos interpretativos, bastante distintos da simples decodificação dos significados existentes, na medida em que dependem da reelaboração, por parte de quem entra em contato com a linguagem, daquilo que ela traz. Dessa forma, no caso da dança, como no de qualquer outra linguagem artística, não será através da decodificação dos símbolos na busca de um entendimento na forma de um sinônimo (tal qual praticamos com a linguagem verbal) que a comunicação ocorrerá, pois toda comunicação nasce de processos interpretativos. Evidentemente, também a linguagem verbal não escapa disso, pois mesmo quando não sabemos “o que significa” algo, alguma forma de comunicação está sendo estabelecida. Não podemos esquecer que a não-comunicação também se constitui como uma forma de comunicação.

            Na Europa, a Teoria Crítica (também chamada por alguns de Escola de Frankfurt) nasce em contraposição às perspectivas positivistas e pragmáticas norte-americanas, com uma forte crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica realizada pelos meios de comunicação de massa. Reunindo um conjunto de pensadores e cientistas sociais alemães, que contou, dentre outros, com Theodor Adorno (1903 a 1969), Max Horkheimer (1895 a 1973), Erich Fromm (1900 a 1980) e Hebert Marcuse (1898 a 1979), e são responsáveis pelo conceito de indústria cultural. Walter Benjamin (1892 a 1940) e Siegfried Kracauer (1889 a 1966) não menos importantes, junto com os demais, são responsáveis pela criação da pesquisa crítica em comunicação. E Jürgen Hebermas (1929), segunda geração da Escola, também deve ser lembrado pelo seu esforço em criar uma teoria geral da ação comunicativa.

            Para este último, segundo Francisco Rüdiger, a comunicação social desempenha três funções coletivas: em primeiro lugar, a comunicação representa um processo de entendimento recíproco entre as pessoas, que serve para transmitir e renovar o conhecimento comum gerado no passado; constitui também um mecanismo de integração, que possibilita às pessoas se relacionarem socialmente, conforme determinados princípios de legitimidade; e, por fim, em terceiro lugar, constitui um mecanismo de socialização, pois possibilita às pessoas tomarem parte de processos de compreensão mútua e formarem sua própria singularização nestes contextos de interação.

“As pessoas se comunicam sempre tendo como pano de fundo um conjunto de conhecimentos, significados e convicções culturais mais ou menos difuso, uma espécie de acervo cultural de que os agentes se servem durante a ação comunicativa, mas ao mesmo colaboram para produzir, toda a vez que se põem em comunicação” (RÜDIGER, 2004, p. 96).

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)

            Walter Benjamin, em um de seus mais famosos textos da área da comunicação, A obra de arte na era de suas técnicas de reprodução (1936), apresenta a sua tese sobre a perda da aura da obra de arte.  Para ele, após a fotografia, as tecnologias da comunicação resumiam-se à reprodução. O filme, o vídeo, ao contrário da pintura ou de uma peça teatral, não seriam mais obras do mesmo tipo de arte de que elas fazem parte, por conta da sua existência se vincular a uma íntima relação com os aparatos técnicos da reprodução. Pensando na questão da reprodutibilidade técnica em relação à arte, o espetáculo de dança seria, então, do mesmo tipo de arte da pintura, por exemplo, no momento enquanto ocorre, mantendo-se, assim, ainda atado à relação da obra de arte com a sua aura. Já o registro em vídeo do mesmo, por sua vez, como não possui as mesmas características de acontecimento único e ao vivo, se enquadra na referência da reprodutibilidade benjaminiana. Ainda para o mesmo autor, a consequência da reprodução é a perda da aura da obra de arte, que na sua manifestação única e em tempo real, possui caráter artesanal – o que a distingue de todas as formas de reprodução que permitem escala industrial.


            Segundo Walter Benjamin, em Teoria da Cultura de Massa, organizado por Luiz Costa Lima (2005), afirma:

“Com a fotografia, pela primeira vez a mão se liberou das tarefas artísticas essenciais, no que toca à reprodução das imagens, as quais, doravante, foram reservadas ao olho fixado sobre a objetiva. Todavia, como o olho aprende mais rápido do que a mão desenha, a reprodução das imagens pode ser feita, a partir de então, num ritmo tão acelerado que consegue acompanhar a própria cadência das palavras. Poder-se-ia dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução destacam o objeto reproduzido do domínio da tradição. Multiplicando-lhe os exemplares, elas substituem por um fenômeno de massa um evento que não se produziu senão uma vez” (LIMA, 2004, p. 225).

O registro de um espetáculo é um bom exemplo. Além de poder ser reproduzido em escala, ele mesmo não passa de um recorte da obra à qual se refere. Foi direcionado pelo olhar de quem usou o equipamento e pelas condições técnicas desse equipamento.

O público também faz isso, pois também “edita” o que está assistindo, vendo, escutando, lendo, de acordo com a sua percepção daquilo com o que está entrando em contato. Mas, nesse caso, a edição do seu olhar, quando em contato direto com a obra, não tem qualquer reprodutibilidade técnica. Apenas edita, selecionando, com a sua atenção, algo dentro do que está sendo apresentado. Ao assistir um registro da obra, faz suas escolhas sobre uma outra escolha, já feita pelo autor daquele registro, que transformou a obra em imagem da obra. No caso da dança, não há como deixar de atentar para a relevância dessa situação, especialmente no mundo atual, quando a disponibilização da informação sobre dança se faz, na sua maioria, na forma de imagens sobre as obras de dança que são continuamente postadas na internet. A comunicação, que começa no processo de percepção que nos liga ao mundo, acontece atualmente, sobretudo a partir dessas imagens – assunto que merece uma pesquisa exclusiva, e que não será aqui desenvolvido. 

Em dança, quando o bailarino não apresenta a obra ao vivo, não tem a possibilidade de ir ajustando, enquanto está dançando, a partir do que percebe como reação dos espectadores, ou seja, também ao bailarino cabe um pequeno espaço de “edição” do material que ensaiou. No vídeo, um certo modo de realizar está congelado e passa a servir de referência como sendo “o” modo de ser feito – o que traz consequências sobre as quais se vale atentar. 

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)


Referências:

LIMA, L. C. (. Teoria da Cultura de Massa. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação: problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.


domingo, 10 de novembro de 2013

A Fisicalidade do Grupo de Rua


por Igor Gasparini

Neste último final de semana (9 e 10), o Teatro Alfa (SP) recebeu a companhia de dança dirigida por Bruno Beltrão. O Grupo de Rua, reconhecido internacionalmente, apresentou o espetáculo Crackz e trouxe a referência tecnológica do termo para o corpo. Em processo coletivo de observação de ações cotidianas, os intérpretes selecionaram aquelas que os motivavam a copiar para então construir um trabalho que espanta pela fisicalidade.




Corpos fortes e com uma presença cênica característica do hip hop, não resultam em um espetáculo de danças urbanas, mas em um trabalho contemporâneo que investiga e se constitui por um vocabulário único desenvolvido pelo coreógrafo de Niterói (RJ). Justamente por esse diferencial, o Grupo de Rua ganhou espaço nos principais eventos de dança do mundo, apresentando-se em mais de 20 países da Europa, Ásia, América do Sul, América do Norte e África, com destaque para NRW International Dance Festival (2008), dirigido por Pina Bausch.

Um misto de força e equilíbrio; giros e mais giros; no plano alto e baixo; refletem o potencial que o corpo tem em sua fisicalidade extrema. Mas esse corpo não transmite apenas dança, é a própria mídia de si mesmo (à luz da Teoria Corpomídia, KATZ e GREINER), revelando muito da história de cada um, da origem da companhia e da cultura hip hop.

Todo corpo, humano ou não, existe e pode ser chamado de corpo quando puder ser identificado por uma coleção circunscrita de informações que não para de se transformar. “Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças” (KATZ e GREINER, 1998, p. 91). Sendo cada corpo mídia de si mesmo, isto é, do conjunto circunstancial de informações que o torna corpo, é possível afirmar que os processos de comunicação nele não se estancam, visto que o fluxo de trocas entre corpo e ambiente é constante.

Cabe destacar o aspecto comunicacional implicado no modo “como o movimento se especializa a ponto de se transformar em representação teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música, ou seja, suas ações no mundo em forma de arte” (KATZ e GREINER, 1998, p. 94). Mais um espetáculo de dança, mas é pelo, e através dos corpos, que se vê muito mais que isso: nota-se a cultura hip hop e seu poder questionador; a afirmação do eu no mundo; a luta pela igualdade sócio-racial... Assim, ao assistir ao trabalho de Bruno Beltrão, você se depara com a realidade de como transformar talento em arte, levando ao mundo um recorte do Brasil; um recorte muitas vezes velado. Diferentemente do próprio nome da cidade de Niterói (do tupi “Água que se esconde”), aqui, é o inverso, é na revelação do potencial artístico e de vocabulário próprio do Grupo de Rua que os colocam em sintonia com os grandes trabalhos contemporâneos da atualidade.




Referências:

KATZ, H. Corpomídia não tem interface: o exemplo do corpo-bomba. In Corpo em Cena. Volume 1. São Paulo, 2010.
KATZ, H.; GREINER, C. A natureza cultural do corpo. In Lições de Dança 3. Org.: Silvia Soter Roberto Pereira. Rio de Janeiro: Univercidade, 1998.
__________. Visualidade e imunização: o inframince do ver/ouvir a dança. Anais do II Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. São Paulo, 2012.


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A relação entre Comunicação, Espectador e Dança - Texto 01


por Igor Gasparini

A dança possui uma história e, como toda história, pode e está sempre sendo reescrita, uma vez que não se apoia em definições dicionarizadas e consensuais sobre como devem ser relatados cada um de seus acontecimentos. Um exemplo: em 2011, Jennifer Homans lançou Apollo’s Angel, pela editora Random House, livro sobre a história do balé que se tornou polêmico por profetizar a sua extinção, dadas as circunstâncias atuais de sua produção. Ou seja, a comunicação do balé com o seu público enfrenta um risco tão sério que ameaça a sua permanência, segundo a autora – o que deixa claro que nenhuma forma de comunicação fica assegurada para sempre, nem o balé, sempre apresentado, na dança, como uma referência perene.


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


Esse dado importa bastante quando se leva em conta a tendência de atribuir dificuldade de comunicação somente para as linguagens artísticas da arte contemporânea. Parece mais complicado lidar com a produção contemporânea porque nela ocorre uma grande liberdade de criação, que produz uma diversidade enorme de propostas convivendo nas suas diferentes abordagens. Todavia, mesmo variando muito, todas elas ficam reunidas sob uma mesma denominação - no caso da dança, a de dança contemporânea. O que importa salientar aqui é que existe uma pluralidade de manifestações distintas que se reúne debaixo do mesmo nome, e isso já se constitui um aspecto da dificuldade da sua comunicação.

Denise da Costa Oliveira Siqueira, professora e pesquisadora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em seu livro Corpo, comunicação e cultura – a dança contemporânea em cena, defende que a dança cênica, especificamente, por seu caráter organizado, se estabelece como código não-verbal que, através de movimentos, gestos, e recursos como figurino, cenário e iluminação, transmite mensagens ao espectador, sem necessariamente fazer o uso de palavras.

“Faz-se necessário entender que, como arte, a dança pode usar o ruído como recurso de transgressão. Em arte, uma ‘falha de comunicação’ pode significar comunicação também, transcendendo o aparente ‘erro’. Pode ser intenção do artista inviabilizar ou dificultar o entendimento para mexer com a plateia, para fazer o público refletir ou sair de sua posição de assistência para uma posição mais participativa. O trabalho artístico não precisa necessariamente se fazer compreender totalmente – pode ser ambíguo, passível de variadas interpretações, inacabado como um work in progress. Nesse sentido, paradoxalmente, a não-comunicação é também comunicação” (SIQUEIRA, 2006, p. 31 e 32).


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


Aqui existe algo importante a ser destacado: o fato de que o que parece não ser comunicação, ainda o é, mesmo diferenciando-se do que habitualmente se consagra como comunicação. Dependendo da intenção do coreógrafo, uma pausa, a ausência coreográfica, o silêncio, pode significar distintas “vontades comunicativas”, incluindo o incômodo que isso pode causar no próprio público.

Rudolf von Laban, um dos principais teóricos da dança e que se dedicou à sistematização da linguagem do movimento, defende:

“a dança como composição de movimento pode ser comparada à linguagem oral. Assim como as palavras são formadas por letras, os movimentos são formados por elementos; assim como as orações são compostas de palavras, as frases da dança são compostas de movimento. Esta linguagem de movimento, de acordo com seu conteúdo, estimula a atividade mental de maneira semelhante, e talvez até mais complexa que a da palavra falada” (LABAN, 1990, p. 31).
           
            Há que tomar cuidado com a leitura do que Laban propõe. Sua comparação entre dança e linguagem oral não pressupõe que ambas compartilhem a mesma forma de comunicação, pois indica somente que ambas comunicam. Vale se deter ao trecho final da citação em que diz que a dança (“linguagem de movimento”) estimula “a atividade mental de maneira semelhante, e talvez até mais complexa que a da palavra falada”.

            Ao tratar do contexto do espetáculo de dança, haveria a necessidade de existir uma linguagem compartilhada entre artista e público para garantir a comunicação? Em arte, e mais especificamente na dança, de qual comunicação se trata? A realidade é que ao lidar com linguagens artísticas, não se sucede o mesmo tipo de comunicação referente à linguagem verbal. Linguagens de naturezas distintas implicam em comunicação de natureza distinta. Na comunicação entre obra e público, algo é comunicado, mas o entendimento não é da mesma ordem do entendimento que se espera da linguagem verbal. Em arte, um mesmo objeto pode suscitar possibilidades distintas de entendimento. “A linguagem não é uma mera convenção, mas sim, um produto da prática social, que surge e se desenvolve historicamente no contexto da práxis vital de uma comunidade”, afirma RÜDIGER (2004, p. 83).

Se toda linguagem nasce de convenções e práticas sociais, como lidar com uma linguagem artística como a da dança, sem contextualizar as suas convenções e práticas sociais? Isso significa que também a comunicação na dança vai depender do contexto no qual se dá e das práticas sociais vigentes nesse contexto. É natural, portanto, que se parta da compreensão de que alguém com familiaridade com a linguagem artística com a qual entra em contato e aquele sem familiaridade manterão diferentes formas de comunicação com o mesmo objeto, pois estão em contextos diferentes.


O entendimento de público como um conjunto de seres indiferenciados continua sendo usado e pode ser identificado, por exemplo, nos programas de “formação de público”. Tais programas são entendidos, de modo geral, como uma ação de apresentar obras a quem não tem acesso a elas – a esse “público” que precisa ser “formado”. Não à toa, não surtem o efeito desejado. Ainda assim, acredito que possam suscitar efeitos positivos quanto ao acesso à arte e ao entretenimento, o que é válido pensando na realidade de exclusão que muitos estão inseridos.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)



Referências:

LABAN, R. V. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.

RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação: problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.

SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.

Capítulo 01 da Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Uma introdução ao Pensamento da Relação Dança-Público


Por Igor Gasparini

Todo espetáculo comunica algo. Nem sempre está na forma de uma mensagem clara, mas há sempre algo sendo comunicado ao público. Seja verbal ou não verbal, essa comunicação se inicia antes mesmo do espectador chegar ao teatro, pois, ao sentar-se na plateia, já conhece o nome do espetáculo, possivelmente já leu o texto do programa, viu alguma foto e/ou ouviu algum comentário sobre o que vai assistir. Durante o espetáculo, a comunicação continua por elementos que constroem a cena: movimentação cênica, imagens coreográficas criadas, gestos, posturas, maquiagem, adereços cênicos, iluminação, música, entre outras formas de comunicação. E o diálogo continua após a apresentação, pois é inevitável a conversa e os comentários que se sucedem a partir do que foi assistido.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


O problema que motivou esta pesquisa pôde ser sintetizado em uma pergunta que se repete, cada vez com mais frequência: quais são as possíveis relações a serem estabelecidas entre o espectador e aquilo que ele assiste, de modo a promover uma comunicação capaz de manter o seu interesse? E, a partir dela, seguiu-se outra: o que o jornalismo cultural tem feito para promover esse tipo de comunicação do espectador com o que vê?

Quando se trata de arte, a comunicação constitui um tema de muita complexidade. Aqui, o objetivo é refletir sobre o papel do jornalismo cultural na construção de uma forma de comunicação entre o espectador e a obra a partir da hipótese de que sempre acontece comunicação, mesmo quando o espectador não entende o que vê.

Como uma obra se faz entender? De que forma comunica? Qual é a natureza da comunicação que a linguagem corporal, que se utiliza de movimentos, tem capacidade de promover? É possível escapar da tirania do entendimento de que toda e qualquer comunicação precisa produzir significado no modelo da linguagem verbal? Como o jornalismo cultural atua na mediação entre obra e público?


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


            Para lidar com a dança, o público continua em busca do mesmo entendimento com que lida com as formas de comunicação apoiadas na linguagem verbal: dedica-se a desvendar o significado da sua mensagem. Entende que o seu papel é o de conseguir identificar qual foi a intenção do artista criador e, na maioria das vezes, não consegue formular uma legenda explicativa para o que assiste. Essa tentativa frustrada de grande parte do público que entra em contato com a arte contemporânea, de modo geral, pode ser explicada por Susanne Langer em Ensaios Filosóficos “uma vez que o símbolo de arte não é discurso, a palavra mensagem é enganosa” (LANGER, 1980, p. 409). Esse é o traço que caracteriza, no caso da dança, a relação do público com os espetáculos que assiste, e configurou a ignição que moveu esta pesquisa.

            Mesmo que o propósito dos envolvidos com a dança não seja o de buscar esse tipo de significado, há que manter uma postura cuidadosa com relação à criação, pois defendo a necessidade de zelar para o que aqui estou nomeando de “vontade comunicativa”. Uma obra que apenas massageia o ego artístico de cada intérprete ou coreógrafo, sem levar em conta seu compromisso com o outro, a quem deveria propor um diálogo estético de interesse coletivo, deve ser repensada para abrigar essa preocupação, sem que isso signifique desistir de seus propósitos artísticos. Na mesma linha de defesa, Hegel, em O belo artístico ou o ideal, defende que “deva haver um acordo entre a subjetividade e o contexto, pois a obra deve dialogar com o público”. (HEGEL apud SIQUEIRA, 2006, p. 86).

            Partindo, então, da premissa que todo espetáculo comunica algo (mesmo que seja o interesse egóico de seu criador) e que esse algo está sempre chegando ao público de alguma forma – sendo essa a razão que sustenta a necessidade do criador manter uma atenção sobre a forma de comunicar as suas propostas artísticas – vale lembrar que há muitas instâncias participando da comunicação entre obra e público e que, dentre elas, o jornalismo cultural tem um papel de destaque. A reflexão que aqui se constrói almeja contribuir para que, em médio prazo, o público de dança possa aumentar e tornar-se mais diversificado.

O ideal seria que a ida ao teatro se transformasse em verdadeira experiência estética para, assim, possibilitar que algo aconteça, tocando, de fato, a sensibilidade de cada um. Mesmo com a dificuldade de termos experiências na atualidade, conforme defende Jorge Larrosa Bondía no texto Notas sobre a experiência e o saber de experiência, acredito que esse ideal deva fazer parte do processo criativo envolvendo bailarinos e coreógrafos. Para Bondía,

“a experiência requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais           devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”. (BONDÍA, 2002, p. 24).

As artes enfrentam hoje essa dificuldade suplementar, que é a de conseguir fazer com que um possível interessado naquilo que cada uma delas propõe consiga abrir esse tipo de espaço e de tempo em sua vida; pois se vive o mundo da aceleração constante e do deletar tudo o que desagrada ou não capta a atenção instantaneamente. A plateia dos espetáculos de dança se forma, atualmente, com os que vivem essa realidade; daí a necessidade de se compreender a dificuldade em conseguir criar esse momento de pausa no dia a dia, que dificulta a possibilidade de se viver o encontro com a dança como uma experiência transformadora. Isso reflete diretamente na dificuldade de atingir um público maior e mais diversificado para a dança, algo a ser considerado pelos artistas e coreógrafos.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


Referências:

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 19, 2002.

LANGER, S. K. Sentimento e forma - Uma Teoria da Arte Desenvolvida a Partir de Filosofia em Nova Chave. São Paulo: Perspectiva, 1980.

SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.




Introdução da Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.