domingo, 10 de novembro de 2013

A Fisicalidade do Grupo de Rua


por Igor Gasparini

Neste último final de semana (9 e 10), o Teatro Alfa (SP) recebeu a companhia de dança dirigida por Bruno Beltrão. O Grupo de Rua, reconhecido internacionalmente, apresentou o espetáculo Crackz e trouxe a referência tecnológica do termo para o corpo. Em processo coletivo de observação de ações cotidianas, os intérpretes selecionaram aquelas que os motivavam a copiar para então construir um trabalho que espanta pela fisicalidade.




Corpos fortes e com uma presença cênica característica do hip hop, não resultam em um espetáculo de danças urbanas, mas em um trabalho contemporâneo que investiga e se constitui por um vocabulário único desenvolvido pelo coreógrafo de Niterói (RJ). Justamente por esse diferencial, o Grupo de Rua ganhou espaço nos principais eventos de dança do mundo, apresentando-se em mais de 20 países da Europa, Ásia, América do Sul, América do Norte e África, com destaque para NRW International Dance Festival (2008), dirigido por Pina Bausch.

Um misto de força e equilíbrio; giros e mais giros; no plano alto e baixo; refletem o potencial que o corpo tem em sua fisicalidade extrema. Mas esse corpo não transmite apenas dança, é a própria mídia de si mesmo (à luz da Teoria Corpomídia, KATZ e GREINER), revelando muito da história de cada um, da origem da companhia e da cultura hip hop.

Todo corpo, humano ou não, existe e pode ser chamado de corpo quando puder ser identificado por uma coleção circunscrita de informações que não para de se transformar. “Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças” (KATZ e GREINER, 1998, p. 91). Sendo cada corpo mídia de si mesmo, isto é, do conjunto circunstancial de informações que o torna corpo, é possível afirmar que os processos de comunicação nele não se estancam, visto que o fluxo de trocas entre corpo e ambiente é constante.

Cabe destacar o aspecto comunicacional implicado no modo “como o movimento se especializa a ponto de se transformar em representação teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música, ou seja, suas ações no mundo em forma de arte” (KATZ e GREINER, 1998, p. 94). Mais um espetáculo de dança, mas é pelo, e através dos corpos, que se vê muito mais que isso: nota-se a cultura hip hop e seu poder questionador; a afirmação do eu no mundo; a luta pela igualdade sócio-racial... Assim, ao assistir ao trabalho de Bruno Beltrão, você se depara com a realidade de como transformar talento em arte, levando ao mundo um recorte do Brasil; um recorte muitas vezes velado. Diferentemente do próprio nome da cidade de Niterói (do tupi “Água que se esconde”), aqui, é o inverso, é na revelação do potencial artístico e de vocabulário próprio do Grupo de Rua que os colocam em sintonia com os grandes trabalhos contemporâneos da atualidade.




Referências:

KATZ, H. Corpomídia não tem interface: o exemplo do corpo-bomba. In Corpo em Cena. Volume 1. São Paulo, 2010.
KATZ, H.; GREINER, C. A natureza cultural do corpo. In Lições de Dança 3. Org.: Silvia Soter Roberto Pereira. Rio de Janeiro: Univercidade, 1998.
__________. Visualidade e imunização: o inframince do ver/ouvir a dança. Anais do II Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. São Paulo, 2012.


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