quarta-feira, 26 de março de 2014

De volta à Idade da Pedra

Uma reflexão sobre violência e evolucionismo

por Igor Gasparini


                Nesta última segunda, 24, ao assistir ao Programa CQC (que por sinal já foi melhor), refleti mais uma vez sobre como as pessoas podem ser violentas e como não percebem que ao sê-las, apenas contribuem para que a violência se perpetue. Duas matérias me incomodaram, não pela abordagem da emissora, mas pelas crenças dos entrevistados e, mais que isso, pelo resultado das enquetes realizadas com o público: o “documento da semana” trouxe os justiceiros à reflexão; e uma matéria sobre a “Marcha da família e Deus pela causa do diabo”, ou algo parecido, defendendo o retorno à ditadura militar. Só me restou dormir com a conclusão alarmante de que só podemos estar voltando à idade da pedra!

                Mulheres, cuidado! Daqui a pouco estarão sendo arrastadas pelos cabelos... Como se a violência contra a mulher já não fosse um problema crônico que muito se aproxima dos dois casos que reflito aqui. Na base, o preconceito. Mas na realidade o problema é muito pior: submissão, sociedade patriarcal e os complexos de macho alfa. No metrô, se está cheio, simplesmente não me aguento e começo a copular como um animal no cil; e pasmem! Está certo! Afinal, há quem diga que a mulher é a culpada por se insinuar ou usar roupas curtas. Embora não menos importante, meu foco desta vez não é refletir sobre esse tipo de violência.

                Os recentes casos de justiça com as próprias mãos leva ao debate uma realidade perigosa: a descrença e a falência das Instituições. Estado, polícia, judiciário... Todos colocados contra a parede diante de uma sociedade que clama por justiça. Até aí, o meu brado junto aos demais. O problema é quando essa descrença motiva alguns a fazerem o papel de justiceiros, tão parecido quanto aqueles filmes de faroeste, amarrando delinquentes em um poste ou surrando-os até morte. O menor de idade que foi amarrado a um poste no Rio de Janeiro e apanhou dos tais justiceiros, foi preso na semana seguinte por cometer novamente delitos na capital carioca. Palmas para os justiceiros! Palmas para a polícia! Todos tem sido muito eficientes no seu papel de recuperação.




                É bastante claro que a violência destes apenas alimenta a daqueles e assim por diante. Vamos então entregar aos leões? Não tem jeito? Será? Fica aqui então a minha reflexão: pela linha de interpretação do pensamento evolucionista, temos que os comportamentos são aprendidos e reproduzidos culturalmente. Não é algo que está na genética, mas a manifestação resultado do contato entre um com o outro. O nosso pequeno delinquente que sofre desde que nasceu por ter um pai que bate em sua mãe; passa fome porque a comida não é suficiente para seus vários irmãos; não tem oportunidades de lazer; vive em condições precárias de saneamento; entre tantos outros problemas, está sofrendo ações violentas desde que veio ao mundo e queremos que ele seja bonzinho com os mauricinhos da praia de Ipanema?

                O problema é complexo e envolve ações que perpassam pela Educação, mas principalmente, a meu ver, pela Cultura e pela Arte. Ver que 39% do público do CQC acha que é certo fazer justiça com as próprias mãos, só me faz pensar o quão atrasada está essa sociedade. E o quão perigoso pode ser resultado disso, gerando ainda mais violência.

                Como se não bastasse a minha indignação com a reportagem acima, a matéria realizada na “Marcha da família, blá blá blá” trouxe depoimentos de pessoas que, sim, acreditam na volta da ditadura como solução dos problemas. É incrível pensar como o ser humano consegue ser estúpido o bastante quando estamos prestes a relembrar os 50 anos do Golpe Militar de 64. Censura; silêncio; tortura; mortes; assassinatos; inexistência de oposição, enfim, VIOLÊNCIA! Essas pessoas, em nome de Deus, querem a volta da ditadura! Aí foi demais, meu estômago revirou, e decidi escrever esse texto.




                De alguma forma penso que posso contribuir com a reflexão de alguns, faço minha parte, e quem sabe eu possa proliferar o inverso pela comunicação, pelo jornalismo, pela dança, pela arte... seja no palco, na internet ou na sala de aula, entre alunos ou amigos... Que eu possa ao menos iniciar um movimento contrário de propagação da “não violência”. Pois isso é comprometimento!

Cada um tem o seu papel! O silenciamento de alguém, o sequer olhar para um porteiro ou faxineira de seu prédio, a desqualificação do outro, o sentimento de superioridade, o preconceito, seja qual for, todas são formas de violência e pensando que isso vai gerando consequências, que tal agirmos contra a corrente?






domingo, 23 de março de 2014

Eu digo não ao não. Eu digo: É proibido proibir


por Igor Gasparini

            Em homenagem aos 50 anos do Golpe Militar de 1964, que instaurou a Ditadura no Brasil, publico este texto escrito para uma disciplina da pós-graduação em Jornalismo Cultural, concluída pela PUC-SP.            


          O TUCA, Teatro da Universidade Católica de São Paulo, palco de inúmeras manifestações sociais e políticas, dentre elas as reuniões clandestinas da União Nacional dos Estudantes, foi sede da eliminatória paulista do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo. Neste ambiente revolucionário fortemente combatido pela ditadura, dois incêndios criminosos tentaram calar as vozes do TUCA, vozes estas que vaiaram Caetano Veloso em 1968, ao apresentar “É proibido proibir”.

Caetano rebateu as manifestações alegando que havia uma vontade de policiar a música brasileira e, dirigindo à platéia e ao júri, disparou: “Vocês não estão entendendo nada!”. A canção é desclassificada, mas o recado estava dado. Em três meses, o Ato Institucional Número 5 é instaurado e a repressão atinge o seu auge.

            Com o Congresso fechado por tempo indeterminado, forte censura adentra as redações dos jornais, das rádios, da televisão; persegue políticos que eram contra o regime, intelectuais, artistas, e todos aqueles que tentassem conscientizar a população sobre a realidade opressora brasileira. Qualquer iniciativa à democracia era combatida ferrenhamente. Escritores e jornalistas foram presos, artistas eram trancados em mictórios de quartel, outros tantos desapareceram; Caetano Veloso e Gilberto Gil, após terem seus cabelos longos raspados, no Rio de Janeiro, foram confinados em Salvador e auto-exilados para Londres. Caetano compôs: Eu quero ir, minha gente; Eu não sou daqui; Eu não sou nada; Quero ver Irene rir, em homenagem a sua irmã.

            Embora uns digam que Veloso e Gil foram forçados ao exílio, outros defendem a negação à ditadura e a saída por vontade própria, entretanto, é inegável a posição política esquerdista ativa sucessivamente defendida por eles, angariando com isso diversos inimigos no Regime Militar.

       O público do Festival era composto quase unicamente por universitários que, ao primeiro dia, dividiram-se entre a música de Caetano e a consagrada Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. Esta vence a eliminatória paulista, mas fica em segundo lugar, sob protestos, na final realizada no Maracanãzinho, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. A letra de Vandré incomodava os censores, mas ao mesmo tempo era ideal para os barulhos nas passeatas e nas festas estudantis.




            Na sequência do festival, com sua roupa espalhafatosa, com seu arranjo eletrônico, com sua performance extravagante, o resultado foi a incompreensão do público que se manifestou atirando de bolas de papéis a ovos, gritando e xingando Caetano Veloso. No calor da hora, a desestruturação da Tropicália que não correspondia ao imediatismo do combate ao regime militar, não foi capaz de ser compreendida.

            Entretanto, era um ano em que jovens promissores falavam alto. Os 24 anos de Chico, os 26 de Caetano, os 29 de Glauber consagravam uma juventude inquieta, representando uma sociedade descontente. Do outro lado, no mesmo ano de 1968, todo um Regime Ditatorial que espancou atores da peça Roda-Viva, ateou fogo no Teatro Paulista e destruiu o Teatro Opinião, prendeu 920 estudantes em Ibiúna, explodiu uma bomba na Editora Civilização Brasileira, dentre tantas outras manifestações opressivas.

            Em dezembro, é baixado o AI-5, pouco depois de Richard Nixon ter sido eleito nos Estados Unidos e da invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética. O Brasil refletia as influências políticas internacionais anteriores e termina seu ano com a imprensa censurada, com centenas de presos, diversas denúncias de tortura e morte, mas com a força de oposição daqueles que lutariam por anos e anos pelo retorno à democracia.


Assim, a resistência continuou a perpetuar, em anos de silêncio de muitos e barulho de poucos, mas ruídos que marcam positivamente a história, diferentemente do rastro de sangue derrubado pela ditadura. Deixemos Marília Pêra atuar em Roda-viva, permitamos que Glauber Rocha dê o seu grito do Corisco, e cantemos juntos com Caetano Veloso: É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.