Por Igor Gasparini
Comovido
pelo incêndio que consumiu o Auditório Simón Bolívar, do Memorial da América
Latina, na última sexta-feira (29), lembrei-me de um texto que escrevi sobre o
projeto “Conexão Latina”, série de eventos promovida há cerca de sete anos
neste local. Após uma releitura, percebi que, dada a referência do Ballet
Stagium como companhia de dança paulistana há muitas décadas, o texto
continuava atual.
O Ballet Stagium, tradicional
companhia de dança de São Paulo, desenvolveu um espetáculo com a cantora Amelita
Baltar, interpretando músicas portenhas de Astor Piazzolla com um estilo que
funde a elegância do tango com uma movimentação contemporânea característica do
grupo.
A parceria iniciou no final da
década de 90 e o reencontro surgiu à convite do Memorial que trouxe Tangamente para o palco do Auditório
Simon Bolívar. Amelita começou o show
cantando algumas músicas solo e, a partir de então, foi acompanhada por
coreografias de Décio Otero, com direção cênica de Marika Gidali.
Para aqueles que esperavam
assistir a coreografias de tango, a expectativa é frustrada, pois a companhia
utiliza do tema, da força e de alguns movimentos característicos da dança
portenha como inspiração para uma criação autoral, que muito se assemelha ao
estilo tradicional do Ballet Stagium. Assim, o espetáculo torna-se único por
levar o ideal da conexão a fundo, visto que não se vê no palco as fronteiras
entre Brasil e Argentina.
O Stagium nasceu em 1971, na união
de Marika Gidali e Décio Otero, até hoje diretores da companhia, com o intuito
de ser um grupo em que bailarinos pudessem se profissionalizar. Enquanto o
teatro, a música e o cinema eram amordaçados pela censura do regime militar, o
Stagium iniciou seus primeiros passos na recusa pela alienação, traçando um
percurso reconhecido na dança brasileira.
Segundo Décio, “o bailarino
precisa estar no palco e não preso em uma sala de ensaios”. Com esta filosofia,
desde a década de 70 até os dias de hoje, sempre percorrendo o Brasil, a
companhia continua como referência no cenário da dança contemporânea. Ele
afirma que, ao longo dos anos, buscou firmar uma escritura da dança com menções
essencialmente brasileiras, inspirados nas mais diferentes manifestações
culturais do país como o folclore, a literatura ou o cinema, interpretando
espetáculos com trilhas sonoras completamente brasileiras de ritimistas
populares a Chico Buarque.
Entretanto, essa linha de trabalho
não impediu que a companhia realizasse parcerias com coreógrafos internacionais
ou que tivessem como tema a cultura estrangeira. Assim foi o encontro entre o
Stagium e Amelita Baltar. O primeiro contato ocorreu no Teatro Municipal de São
Paulo, ocasião em que o Stagium realizou um espetáculo e a intérprete portenha
lhes foi apresentada. Décio afirma que, sem nenhuma pretensão, disse a ela:
“quem sabe um dia a gente não trabalha junto”.
Passaram alguns anos e, ao se deparar com um CD de Amelita, ficou
inspirado a coreografar para a companhia. Fizeram o convite à cantora para que
realizasse o espetáculo Tangamente junto com o Ballet Stagium, o que foi aceito
prontamente por ela, conforme conta o diretor Décio Otero. Realizaram então uma
turnê pelo Brasil e estiveram juntos por três temporadas. Décio considera uma parceria muito valiosa e
afirma “para mim, é uma honra trabalhar com Amelita Baltar, uma das melhores
intérpretes femininas”.
Outros trabalhos da companhia que
tem a América Latina como destaque são À minha América, que surgiu após uma
viagem a alguns países e que conta com músicas do Chile, do Uruguai, da
Guatemala, entre outros; o espetáculo intitulado “Santa Maria de Iquique”, que
retrata um contexto político e social chileno de exterminação indígena; além de
algumas parcerias com coreógrafos argentinos.
Décio ainda afirma que,
“principalmente em dança, a presença latino-americana é muito pouco expressiva;
não existe nada da América Latina por aqui”, quando questionado sobre como vê a
produção cultural dos países hispânicos no Brasil. Ele garante que existem
diversas boas companhias, faz referência a alguns países e ainda deixa um
recado para a que a organização do Memorial seja mais ativa na difusão cultural
de produções não só em dança, mas em todas as manifestações latinas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário