terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Tango do Ballet Stagium


Por Igor Gasparini


            Comovido pelo incêndio que consumiu o Auditório Simón Bolívar, do Memorial da América Latina, na última sexta-feira (29), lembrei-me de um texto que escrevi sobre o projeto “Conexão Latina”, série de eventos promovida há cerca de sete anos neste local. Após uma releitura, percebi que, dada a referência do Ballet Stagium como companhia de dança paulistana há muitas décadas, o texto continuava atual.



O Ballet Stagium, tradicional companhia de dança de São Paulo, desenvolveu um espetáculo com a cantora Amelita Baltar, interpretando músicas portenhas de Astor Piazzolla com um estilo que funde a elegância do tango com uma movimentação contemporânea característica do grupo.

A parceria iniciou no final da década de 90 e o reencontro surgiu à convite do Memorial que trouxe Tangamente para o palco do Auditório Simon Bolívar.  Amelita começou o show cantando algumas músicas solo e, a partir de então, foi acompanhada por coreografias de Décio Otero, com direção cênica de Marika Gidali.

Para aqueles que esperavam assistir a coreografias de tango, a expectativa é frustrada, pois a companhia utiliza do tema, da força e de alguns movimentos característicos da dança portenha como inspiração para uma criação autoral, que muito se assemelha ao estilo tradicional do Ballet Stagium. Assim, o espetáculo torna-se único por levar o ideal da conexão a fundo, visto que não se vê no palco as fronteiras entre Brasil e Argentina.




O Stagium nasceu em 1971, na união de Marika Gidali e Décio Otero, até hoje diretores da companhia, com o intuito de ser um grupo em que bailarinos pudessem se profissionalizar. Enquanto o teatro, a música e o cinema eram amordaçados pela censura do regime militar, o Stagium iniciou seus primeiros passos na recusa pela alienação, traçando um percurso reconhecido na dança brasileira.

Segundo Décio, “o bailarino precisa estar no palco e não preso em uma sala de ensaios”. Com esta filosofia, desde a década de 70 até os dias de hoje, sempre percorrendo o Brasil, a companhia continua como referência no cenário da dança contemporânea. Ele afirma que, ao longo dos anos, buscou firmar uma escritura da dança com menções essencialmente brasileiras, inspirados nas mais diferentes manifestações culturais do país como o folclore, a literatura ou o cinema, interpretando espetáculos com trilhas sonoras completamente brasileiras de ritimistas populares a Chico Buarque.

Entretanto, essa linha de trabalho não impediu que a companhia realizasse parcerias com coreógrafos internacionais ou que tivessem como tema a cultura estrangeira. Assim foi o encontro entre o Stagium e Amelita Baltar. O primeiro contato ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, ocasião em que o Stagium realizou um espetáculo e a intérprete portenha lhes foi apresentada. Décio afirma que, sem nenhuma pretensão, disse a ela: “quem sabe um dia a gente não trabalha junto”.  Passaram alguns anos e, ao se deparar com um CD de Amelita, ficou inspirado a coreografar para a companhia. Fizeram o convite à cantora para que realizasse o espetáculo Tangamente junto com o Ballet Stagium, o que foi aceito prontamente por ela, conforme conta o diretor Décio Otero. Realizaram então uma turnê pelo Brasil e estiveram juntos por três temporadas.  Décio considera uma parceria muito valiosa e afirma “para mim, é uma honra trabalhar com Amelita Baltar, uma das melhores intérpretes femininas”.

Outros trabalhos da companhia que tem a América Latina como destaque são À minha América, que surgiu após uma viagem a alguns países e que conta com músicas do Chile, do Uruguai, da Guatemala, entre outros; o espetáculo intitulado “Santa Maria de Iquique”, que retrata um contexto político e social chileno de exterminação indígena; além de algumas parcerias com coreógrafos argentinos.

Décio ainda afirma que, “principalmente em dança, a presença latino-americana é muito pouco expressiva; não existe nada da América Latina por aqui”, quando questionado sobre como vê a produção cultural dos países hispânicos no Brasil. Ele garante que existem diversas boas companhias, faz referência a alguns países e ainda deixa um recado para a que a organização do Memorial seja mais ativa na difusão cultural de produções não só em dança, mas em todas as manifestações latinas.


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