quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Comunicar a Dança

por Igor Gasparini


            Não se deve perder de vista a ideia de que “comunicar significa estabelecer ou ter coisa em comum” (SFEZ, 1994, p. 38), e assim, não se pode esquecer que coreógrafos se comunicam e devem levar essa proposta em consideração. A comunicação funcionará quando cada um for continuando, na forma da sua interpretação, aquilo que encontrou na obra, sem a preocupação de fechar um único entendimento. Estabelecer o que é certo e errado/verdade e mentira é ainda mais complexo quando o assunto é arte. Não cabe aquilo que o verbal pratica na forma de um acordo com relação a uma compreensibilidade aproximada da mensagem. Segundo Rüdiger (2004), ninguém entra em comunicação com outras pessoas se não tiver a pretensão de se fazer compreender ou ser compreendido.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)

Denise da Costa Oliveira Siqueira, ainda em seu livro Corpo, comunicação e cultura – a dança contemporânea em cena, concorda com tal posicionamento, pois defende que o processo de comunicação envolve a construção de sentido, já que a troca de mensagens traz signos os quais os enunciadores dão os mesmos significados, fazendo nascer esse sentido.

Ainda na mesma linha de pensamento, para Lucien Sfez (1994, p. 39), a mensagem deve sempre dizer alguma coisa. “Não se fala para não se dizer nada ou para não ser entendido. Embora não se ocupe do estado dos sujeitos situados nas duas extremidades da cadeia, a semiologia estrutural presume que os dois sujeitos falam e desejam comunicar alguma coisa”.

            O mesmo autor ainda defende a representação como a primeira definição da comunicação. Nesse sentido, a comunicação é a mensagem que um emissor envia a um receptor por meio de um canal, conforme as teorias clássicas da comunicação. Para ele, a teoria da representação distingue o mundo objetivo a representar e o mundo efetivamente representado unidos por um mediador.

            Os diversos elementos comunicados serão percebidos diferentemente pelo público e esta percepção, como defende Adolfo Sánchez Vázquez, é um ato particular, que não se reduz a uma atividade sensorial, mas estabelece uma experiência psíquica mais complexa. Em sua obra Convite à estética (1999), defende que é um processo que combina recordações, elabora imagens e desperta reações afetivas. Perceber é, assim, um processo complexo, no qual também se pensa, se sente, se recorda. Apesar de individual, a percepção é um ato intrínseco à qualidade social, por estar contextualizada na sociedade (com todos os elementos culturais envolvidos) em que o indivíduo está inserido.

            Lucien Sfez também amplia a discussão e define a comunicação como expressão, abandonando o envio, por parte de um sujeito emissor, de uma mensagem calculável a um receptor. Não havendo emissor, canal e receptor, no modelo expressivo, a comunicação é inserção de um sujeito complexo em um ambiente igualmente complexo. Este faz parte do meio, e o meio faz parte do sujeito, ambos praticando trocas constantes. A realidade não é mais objetiva (no sentido de completamente fora do sujeito que a observa), mas faz parte do próprio sujeito. Por essa ótica, bailarino e espetáculo, obra e espectador estão em um mesmo meio, um se valendo do outro, na construção da comunicação.


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)

            Por essa linha de entendimento das relações em troca, Nicolas Bourriaud defende a obra de arte como interstício social em Estética relacional.

“A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma versão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna.” (BOURRIAUD, 2011, p. 19/20).

            Bourriaud defende que a arte sempre foi relacional em diferentes graus, ou seja, fator de sociabilidade e fundadora de diálogo. Isso porque propicia o “estar-juntos”, um encontro entre a obra artística e a elaboração coletiva do sentido, mais uma vez ratificando a existência de comunicação entre arte e espectador, espetáculo e público. É através da arte que o artista inicia o diálogo e a prática artística residiria na invenção de relações entre sujeitos. “Cada obra de arte particular seria a proposta de habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o infinito.” (BOURRIAUD, 2011, p. 31). O autor ainda cita Michel Maffesoli, concordando que a arte, além da comunicação, cria empatia e compartilhamento, gerando vínculo.

Asa Briggs e Peter Burke (2004) afirmam que a comunicação mais efetiva é a que apela simultaneamente para os olhos e os ouvidos, combinando mensagens verbais com não-verbais, musicais e visuais. Ora, pode parecer a descrição de um espetáculo de dança, mas os exemplos dos autores remontam aos iconotextos das imagens religiosas ou às procissões. Ainda assim, pensar que a dança se utiliza desses elementos é acreditar no potencial comunicativo inerente a ela.  

E é nessas múltiplas relações entre espetáculo e público que a comunicação acontece, nas inter-relações entre artistas e quem o assiste que esta pesquisa esteve interessada, defendendo que tudo isso deva ser considerado na criação de um espetáculo, já que se apresentará a um público.

Por fim, as diferentes abordagens da comunicação aqui trazidas tem como propósito revelar as diversas possibilidades de se abordar a comunicação, de modo a impedir a produção de um discurso empobrecido para a comunicação entre dança e público, empobrecido pelo preconceito que a desinformação produz.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)



Referências:

BOURRIAUD, N. Estética relacional. [S.l.]: Martins Fontes, 2001.

BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma história Social da Mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação: problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.

SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.

VÁZQUEZ, A. S. Convite à estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.



Capítulo da Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.



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