por Igor Gasparini
Não se deve perder de vista a ideia
de que “comunicar significa estabelecer ou ter coisa em comum” (SFEZ, 1994, p.
38), e assim, não se pode esquecer que coreógrafos se comunicam e devem levar
essa proposta em consideração. A comunicação funcionará quando cada um for continuando,
na forma da sua interpretação, aquilo que encontrou na obra, sem a preocupação
de fechar um único entendimento. Estabelecer o que é certo e errado/verdade e
mentira é ainda mais complexo quando o assunto é arte. Não cabe aquilo que o
verbal pratica na forma de um acordo com relação a uma compreensibilidade
aproximada da mensagem. Segundo Rüdiger (2004), ninguém entra em comunicação
com outras pessoas se não tiver a pretensão de se fazer compreender ou ser
compreendido.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
Denise da Costa Oliveira Siqueira, ainda em seu livro Corpo, comunicação e cultura – a dança
contemporânea em cena, concorda com tal posicionamento, pois defende que o
processo de comunicação envolve a construção de sentido, já que a troca de
mensagens traz signos os quais os enunciadores dão os mesmos significados,
fazendo nascer esse sentido.
Ainda na mesma linha de pensamento, para Lucien Sfez (1994,
p. 39), a mensagem deve sempre dizer alguma coisa. “Não se fala para não se
dizer nada ou para não ser entendido. Embora não se ocupe do estado dos
sujeitos situados nas duas extremidades da cadeia, a semiologia estrutural
presume que os dois sujeitos falam e desejam comunicar alguma coisa”.
O mesmo autor ainda defende a
representação como a primeira definição da comunicação. Nesse sentido, a
comunicação é a mensagem que um emissor envia a um receptor por meio de um
canal, conforme as teorias clássicas da comunicação. Para ele, a teoria da representação
distingue o mundo objetivo a representar e o mundo efetivamente representado
unidos por um mediador.
Os diversos elementos comunicados
serão percebidos diferentemente pelo público e esta percepção, como defende
Adolfo Sánchez Vázquez, é um ato particular, que não se reduz a uma atividade
sensorial, mas estabelece uma experiência psíquica mais complexa. Em sua obra Convite à estética (1999), defende que é um processo que combina
recordações, elabora imagens e desperta reações afetivas. Perceber é, assim, um
processo complexo, no qual também se pensa, se sente, se recorda. Apesar de
individual, a percepção é um ato intrínseco à qualidade social, por estar
contextualizada na sociedade (com todos os elementos culturais envolvidos) em
que o indivíduo está inserido.
Lucien Sfez também amplia a discussão
e define a comunicação como expressão, abandonando o envio, por parte de um
sujeito emissor, de uma mensagem calculável a um receptor. Não havendo emissor,
canal e receptor, no modelo expressivo, a comunicação é inserção de um sujeito
complexo em um ambiente igualmente complexo. Este faz parte do meio, e o meio faz
parte do sujeito, ambos praticando trocas constantes. A realidade não é mais objetiva
(no sentido de completamente fora do sujeito que a observa), mas faz parte do
próprio sujeito. Por essa ótica, bailarino e espetáculo, obra e espectador
estão em um mesmo meio, um se valendo do outro, na construção da comunicação.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
Por essa linha de entendimento das
relações em troca, Nicolas Bourriaud defende a obra de arte como interstício
social em Estética relacional.
“A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como
horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do
que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado) atesta uma versão radical dos objetivos estéticos,
culturais e políticos postulados pela arte moderna.” (BOURRIAUD, 2011, p. 19/20).
Bourriaud defende que a arte sempre
foi relacional em diferentes graus, ou seja, fator de sociabilidade e fundadora
de diálogo. Isso porque propicia o “estar-juntos”, um encontro entre a obra
artística e a elaboração coletiva do sentido, mais uma vez ratificando a
existência de comunicação entre arte e espectador, espetáculo e público. É
através da arte que o artista inicia o diálogo e a prática artística residiria
na invenção de relações entre sujeitos. “Cada obra de arte particular seria a
proposta de habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista
comporia um feixe de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim
por diante, até o infinito.” (BOURRIAUD, 2011, p. 31). O autor ainda cita
Michel Maffesoli, concordando que a arte, além da comunicação, cria empatia e
compartilhamento, gerando vínculo.
Asa Briggs e Peter Burke (2004) afirmam que a comunicação
mais efetiva é a que apela simultaneamente para os olhos e os ouvidos,
combinando mensagens verbais com não-verbais, musicais e visuais. Ora, pode
parecer a descrição de um espetáculo de dança, mas os exemplos dos autores
remontam aos iconotextos das imagens religiosas ou às procissões. Ainda assim,
pensar que a dança se utiliza desses elementos é acreditar no potencial
comunicativo inerente a ela.
E é nessas múltiplas relações entre espetáculo e público que
a comunicação acontece, nas inter-relações entre artistas e quem o assiste que
esta pesquisa esteve interessada, defendendo que tudo isso deva ser considerado
na criação de um espetáculo, já que se apresentará a um público.
Por fim, as diferentes abordagens da comunicação aqui
trazidas tem como propósito revelar as diversas possibilidades de se abordar a
comunicação, de modo a impedir a produção de um discurso empobrecido para a
comunicação entre dança e público, empobrecido pelo preconceito que a
desinformação produz.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
Referências:
BOURRIAUD, N. Estética relacional. [S.l.]: Martins
Fontes, 2001.
BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma história Social da Mídia: de
Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação:
problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.
SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições
Loyola, 1994.
SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a
dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.
VÁZQUEZ, A. S. Convite à estética. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999.
Capítulo da
Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do
jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título
de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.
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