por Igor Gasparini
A linguagem artística é sempre formada
por muitos símbolos. Nela, uma cor, o silêncio, um figurino, um objeto, não
estão sendo usados do mesmo modo como eles existem na vida cotidiana. Na arte,
estão em uma função simbólica, isto é, estão representando algo. O silêncio,
por exemplo, deixa de ser a ausência de ruídos e sons e pode passar a indicar
uma incomunicabilidade, ou a representar uma ausência, ou um momento de extrema
tensão. Evidentemente, o fato das linguagens artísticas se estruturarem com
símbolos dificulta aquele desejo de traduzi-las como se faz com a linguagem
verbal. Como garantir um sinônimo para um símbolo?
(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)
Seja na dança ou em qualquer outra linguagem artística, como
conseguir um consenso para o significado de um símbolo, quando se sabe que cada
cultura produz as suas simbolizações e elas não são universais? Essa
compreensão vai na direção do objeto que aqui se pesquisa: como comunicar
quando os envolvidos no processo de comunicação lidam de maneiras distintas com
os símbolos?
Em toda comunicação, segundo Rüdiger (2004), verifica-se a
ocorrência de processos interpretativos, bastante distintos da simples
decodificação dos significados existentes, na medida em que dependem da
reelaboração, por parte de quem entra em contato com a linguagem, daquilo que
ela traz. Dessa forma, no caso da dança, como no de qualquer outra linguagem
artística, não será através da decodificação dos símbolos na busca de um
entendimento na forma de um sinônimo (tal qual praticamos com a linguagem
verbal) que a comunicação ocorrerá, pois toda comunicação nasce de processos
interpretativos. Evidentemente, também a linguagem verbal não escapa disso,
pois mesmo quando não sabemos “o que significa” algo, alguma forma de
comunicação está sendo estabelecida. Não podemos esquecer que a não-comunicação
também se constitui como uma forma de comunicação.
Na Europa, a Teoria Crítica (também chamada por alguns de Escola de Frankfurt) nasce
em contraposição às perspectivas positivistas e pragmáticas norte-americanas,
com uma forte crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica
realizada pelos meios de comunicação de massa. Reunindo um conjunto de
pensadores e cientistas sociais alemães, que contou, dentre outros, com Theodor
Adorno (1903 a 1969), Max Horkheimer (1895 a 1973), Erich Fromm (1900 a 1980) e
Hebert Marcuse (1898 a 1979), e são responsáveis pelo conceito de indústria cultural. Walter Benjamin
(1892 a 1940) e Siegfried Kracauer (1889 a 1966) não menos importantes, junto
com os demais, são responsáveis pela criação da pesquisa crítica em
comunicação. E Jürgen Hebermas (1929), segunda geração da Escola, também deve
ser lembrado pelo seu esforço em criar uma teoria geral da ação comunicativa.
Para este último, segundo Francisco
Rüdiger, a comunicação social desempenha três funções coletivas: em primeiro
lugar, a comunicação representa um processo de entendimento recíproco entre as
pessoas, que serve para transmitir e renovar o conhecimento comum gerado no
passado; constitui também um mecanismo de integração, que possibilita às
pessoas se relacionarem socialmente, conforme determinados princípios de
legitimidade; e, por fim, em terceiro lugar, constitui um mecanismo de
socialização, pois possibilita às pessoas tomarem parte de processos de compreensão
mútua e formarem sua própria singularização nestes contextos de interação.
“As pessoas se comunicam sempre tendo
como pano de fundo um conjunto de conhecimentos, significados e convicções
culturais mais ou menos difuso, uma espécie de acervo cultural de que os
agentes se servem durante a ação comunicativa, mas ao mesmo colaboram para produzir,
toda a vez que se põem em comunicação” (RÜDIGER, 2004, p. 96).
(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)
Walter Benjamin, em um de seus mais famosos textos da área da comunicação, A obra de arte na era de suas técnicas de reprodução (1936), apresenta a sua tese sobre a perda da aura da obra de arte. Para ele, após a fotografia, as tecnologias da comunicação resumiam-se à reprodução. O filme, o vídeo, ao contrário da pintura ou de uma peça teatral, não seriam mais obras do mesmo tipo de arte de que elas fazem parte, por conta da sua existência se vincular a uma íntima relação com os aparatos técnicos da reprodução. Pensando na questão da reprodutibilidade técnica em relação à arte, o espetáculo de dança seria, então, do mesmo tipo de arte da pintura, por exemplo, no momento enquanto ocorre, mantendo-se, assim, ainda atado à relação da obra de arte com a sua aura. Já o registro em vídeo do mesmo, por sua vez, como não possui as mesmas características de acontecimento único e ao vivo, se enquadra na referência da reprodutibilidade benjaminiana. Ainda para o mesmo autor, a consequência da reprodução é a perda da aura da obra de arte, que na sua manifestação única e em tempo real, possui caráter artesanal – o que a distingue de todas as formas de reprodução que permitem escala industrial.
Segundo Walter Benjamin, em Teoria da Cultura de Massa, organizado
por Luiz Costa Lima (2005), afirma:
“Com a
fotografia, pela primeira vez a mão se liberou das tarefas artísticas
essenciais, no que toca à reprodução das imagens, as quais, doravante, foram
reservadas ao olho fixado sobre a objetiva. Todavia, como o olho aprende mais
rápido do que a mão desenha, a reprodução das imagens pode ser feita, a partir
de então, num ritmo tão acelerado que consegue acompanhar a própria cadência
das palavras. Poder-se-ia dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução
destacam o objeto reproduzido do domínio da tradição. Multiplicando-lhe os
exemplares, elas substituem por um fenômeno de massa um evento que não se
produziu senão uma vez” (LIMA, 2004, p. 225).
O registro de um espetáculo é um bom exemplo. Além de poder
ser reproduzido em escala, ele mesmo não passa de um recorte da obra à qual se
refere. Foi direcionado pelo olhar de quem usou o equipamento e pelas condições
técnicas desse equipamento.
O público também faz isso, pois também “edita” o que está
assistindo, vendo, escutando, lendo, de acordo com a sua percepção daquilo com
o que está entrando em contato. Mas, nesse caso, a edição do seu olhar, quando
em contato direto com a obra, não tem qualquer reprodutibilidade técnica.
Apenas edita, selecionando, com a sua atenção, algo dentro do que está sendo
apresentado. Ao assistir um registro da obra, faz suas escolhas sobre uma outra
escolha, já feita pelo autor daquele registro, que transformou a obra em imagem
da obra. No caso da dança, não há como deixar de atentar para a relevância
dessa situação, especialmente no mundo atual, quando a disponibilização da
informação sobre dança se faz, na sua maioria, na forma de imagens sobre as
obras de dança que são continuamente postadas na internet. A comunicação, que
começa no processo de percepção que nos liga ao mundo, acontece atualmente,
sobretudo a partir dessas imagens – assunto que merece uma pesquisa exclusiva,
e que não será aqui desenvolvido.
Em dança, quando o bailarino não apresenta a obra ao vivo,
não tem a possibilidade de ir ajustando, enquanto está dançando, a partir do
que percebe como reação dos espectadores, ou seja, também ao bailarino cabe um
pequeno espaço de “edição” do material que ensaiou. No vídeo, um certo modo de
realizar está congelado e passa a servir de referência como sendo “o” modo de
ser feito – o que traz consequências sobre as quais se vale atentar.
(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)
Referências:
LIMA, L. C. (. Teoria da Cultura de Massa. 7. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2005.
RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação:
problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.
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