terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Corpo Radar

Corpo Radar
por Igor Gasparini

            Como formigas no gramado, fomos lançados a uma experiência de corpo e percepção. Copos de isopor com um pequenino buraco ao fundo foram levados aos olhos presos por elásticos e isso bastou para transformar a relação deste corpo naquele espaço. Com a visão comprometida, me senti como um radar, pois todos os outros sentidos foram aguçados em progressão. Os sons de pássaros e aviões, o cheiro de grama e fumaça, o toque em uma árvore ou nos próprios colegas foram potencializados por não podermos de fato enxergar. E meu corpo foi motivado a buscar, procurar, tentar reconhecer, ainda que por outras percepções daquelas que utilizamos em habitual. 


A tentativa de descrever um laboratório corporal desta ordem é sempre desafiadora, mas conforme afirma Jorge Larrosa Bondía, a experiência é “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que passa, não o que acontece, ou o que toca. (...) Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (Bondia, 2002). Para ele, a experiência está cada vez mais incomum em razão dos vários excessos de informação, bem como da constante falta de tempo e, justamente por isso, estar em experiência em tempo real, observando a si mesmo, e em oportunidade de se relacionar com o meio, foi tão inquietante.

Reflito que tal experiência ainda se configura como uma metáfora da vida, visto que viver não é senão um recorte preciso de tudo que nos atravessa. Consciente ou inconscientemente, um misto de emoções geradas basicamente por uma pausa na rotina diária e por estar em campo aberto aguçando outros sentidos, dado o comprometimento da visão por um objeto relacional. Os copos de isopor funcionaram como uma venda parcial, mas ao mesmo tempo, permitiram uma perspectiva de zoom e, por serem posicionados em diagonais opostas, forçavam a visão para um lado em detrimento do outro.

Uma permanente falta de controle, ainda que por 20 minutos. Um estado que não promovemos ao corpo sempre alicerçado na visão como fonte primária e essencial das percepções. E conforme aponta Alva Nöe, a percepção é algo ativo e, portanto, quando nos deparamos como uma situação assim, aguçamos automaticamente os outros sentidos, vivenciando uma experiência singular, aqui metaforizada pela ideia de radar: o corpo como instrumento de caça por sinal, por algo além. Quais percepções foram alteradas ou potencializadas por esta experiência?

Na impermanência de movimentos que desejavam mover, o fenômeno configurou-se para além do visível, um metafenômeno para além do vivido. E a experiência situou-se mais a frente do que é, em uma intensificação do corpo radar, um corpo em busca, o que considero essencial a todo artista do corpo e da dança.

Nota: Sobre experiência com objeto relacional em disciplina "Escritas da Cena", da pós graduação UNICAMP, ministrada pela Profa. Dra. Juliana Moraes.

domingo, 17 de março de 2019

Nó na garganta

por Igor Gasparini



Não há nada a celebrar no Brasil de hoje! E talvez tampouco no mundo!

Vivemos uma onda perigosa de totalitarismo; de violência; de falta de afeto, alteridade e empatia.

Mal recuperamos de uma tragédia, e já estamos diante de algo pior. O ano de 2019 veio com força para ser lembrado sem muita nostalgia. 

Na abertura do MITsp - Mostra Internacional de Teatro, no dia em que marca 1 ano do assassinato de Marielle e seu motorista, a peça “A repetição. História(s) do Teatro (I)”, traz uma narrativa desconstruída de uma ficção um tanto real: 

O assassinato após espancamento de um homem gay com ascendência árabe. Homofobia e Xebofobia dão as mãos em obra do diretor suíço Milo Rau, expondo que os problemas são um tanto globais. 

A peça celebra o fazer teatral entre a comédia e a tragédia, socando seu estômago como se fosse você, a vítima do espancamento. E não é que somos?

Nós todos: Marieles, Romualdos, Luíses... tendo cada um a sua história marcada pelo ódio e regada a muito sangue. 

Quem será a próxima vítima? Quantos serão? O que fazer? 

Enquanto isso o jovem canta... a corda envolve o pescoço... e a luz se apaga. A obra termina e eu volto para casa em silêncio com um nó na garganta!