Por Igor Gasparini
Todo espetáculo comunica algo. Nem sempre está na forma de
uma mensagem clara, mas há sempre algo sendo comunicado ao público. Seja verbal
ou não verbal, essa comunicação se inicia antes mesmo do espectador chegar ao
teatro, pois, ao sentar-se na plateia, já conhece o nome do espetáculo,
possivelmente já leu o texto do programa, viu alguma foto e/ou ouviu algum
comentário sobre o que vai assistir. Durante o espetáculo, a comunicação
continua por elementos que constroem a cena: movimentação cênica, imagens
coreográficas criadas, gestos, posturas, maquiagem, adereços cênicos,
iluminação, música, entre outras formas de comunicação. E o diálogo continua
após a apresentação, pois é inevitável a conversa e os comentários que se
sucedem a partir do que foi assistido.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
O problema que motivou esta pesquisa pôde ser sintetizado em
uma pergunta que se repete, cada vez com mais frequência: quais são as
possíveis relações a serem estabelecidas entre o espectador e aquilo que ele
assiste, de modo a promover uma comunicação capaz de manter o seu interesse? E,
a partir dela, seguiu-se outra: o que o jornalismo cultural tem feito para
promover esse tipo de comunicação do espectador com o que vê?
Quando se trata de arte, a comunicação constitui um tema de
muita complexidade. Aqui, o objetivo é refletir sobre o papel do jornalismo
cultural na construção de uma forma de comunicação entre o espectador e a obra
a partir da hipótese de que sempre acontece comunicação, mesmo quando o
espectador não entende o que vê.
Como uma obra se faz entender? De que forma comunica? Qual é
a natureza da comunicação que a linguagem corporal, que se utiliza de movimentos,
tem capacidade de promover? É possível escapar da tirania do entendimento de
que toda e qualquer comunicação precisa produzir significado no modelo da
linguagem verbal? Como o jornalismo cultural atua na mediação entre obra e
público?
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
Para lidar com a dança, o público
continua em busca do mesmo entendimento com que lida com as formas de
comunicação apoiadas na linguagem verbal: dedica-se a desvendar o significado
da sua mensagem. Entende que o seu papel é o de conseguir identificar qual foi
a intenção do artista criador e, na maioria das vezes, não consegue formular
uma legenda explicativa para o que assiste. Essa tentativa frustrada de grande
parte do público que entra em contato com a arte contemporânea, de modo geral,
pode ser explicada por Susanne Langer em Ensaios Filosóficos “uma vez que o símbolo de arte não é discurso, a palavra mensagem
é enganosa” (LANGER, 1980, p. 409). Esse é o traço que caracteriza, no caso da
dança, a relação do público com os espetáculos que assiste, e configurou a
ignição que moveu esta pesquisa.
Mesmo que o propósito dos envolvidos
com a dança não seja o de buscar esse tipo de significado, há que manter uma
postura cuidadosa com relação à criação, pois defendo a necessidade de zelar
para o que aqui estou nomeando de “vontade comunicativa”. Uma obra que apenas
massageia o ego artístico de cada intérprete ou coreógrafo, sem levar em conta
seu compromisso com o outro, a quem deveria propor um diálogo estético de
interesse coletivo, deve ser repensada para abrigar essa preocupação, sem que
isso signifique desistir de seus propósitos artísticos. Na mesma linha de
defesa, Hegel, em O belo artístico ou o
ideal, defende que “deva haver um acordo entre a subjetividade e o
contexto, pois a obra deve dialogar com o público”. (HEGEL apud SIQUEIRA, 2006,
p. 86).
Partindo, então, da premissa que
todo espetáculo comunica algo (mesmo que seja o interesse egóico de seu
criador) e que esse algo está sempre chegando ao público de alguma forma –
sendo essa a razão que sustenta a necessidade do criador manter uma atenção
sobre a forma de comunicar as suas propostas artísticas – vale lembrar que há
muitas instâncias participando da comunicação entre obra e público e que,
dentre elas, o jornalismo cultural tem um papel de destaque. A reflexão que
aqui se constrói almeja contribuir para que, em médio prazo, o público de dança
possa aumentar e tornar-se mais diversificado.
O ideal seria que a ida ao teatro se transformasse em
verdadeira experiência estética para, assim, possibilitar que algo aconteça,
tocando, de fato, a sensibilidade de cada um. Mesmo com a dificuldade de termos
experiências na atualidade, conforme defende Jorge Larrosa Bondía no texto Notas sobre a experiência e o saber de experiência,
acredito que esse ideal deva fazer parte do processo criativo envolvendo
bailarinos e coreógrafos. Para Bondía,
“a experiência requer um gesto de
interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os
ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros,
cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”.
(BONDÍA, 2002, p. 24).
As artes enfrentam hoje essa dificuldade suplementar, que é a
de conseguir fazer com que um possível interessado naquilo que cada uma delas
propõe consiga abrir esse tipo de espaço e de tempo em sua vida; pois se vive o
mundo da aceleração constante e do deletar tudo o que desagrada ou não capta a
atenção instantaneamente. A plateia dos espetáculos de dança se forma,
atualmente, com os que vivem essa realidade; daí a necessidade de se
compreender a dificuldade em conseguir criar esse momento de pausa no dia a
dia, que dificulta a possibilidade de se viver o encontro com a dança como uma
experiência transformadora. Isso reflete diretamente na dificuldade de atingir
um público maior e mais diversificado para a dança, algo a ser considerado
pelos artistas e coreógrafos.
(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)
Referências:
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 19, 2002.
LANGER, S. K. Sentimento e forma - Uma Teoria da Arte
Desenvolvida a Partir de Filosofia em Nova Chave. São Paulo: Perspectiva,
1980.
SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a
dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.
Introdução da
Monografia “A comunicação entre dança e
público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da
relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de
Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.
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