sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Uma introdução ao Pensamento da Relação Dança-Público


Por Igor Gasparini

Todo espetáculo comunica algo. Nem sempre está na forma de uma mensagem clara, mas há sempre algo sendo comunicado ao público. Seja verbal ou não verbal, essa comunicação se inicia antes mesmo do espectador chegar ao teatro, pois, ao sentar-se na plateia, já conhece o nome do espetáculo, possivelmente já leu o texto do programa, viu alguma foto e/ou ouviu algum comentário sobre o que vai assistir. Durante o espetáculo, a comunicação continua por elementos que constroem a cena: movimentação cênica, imagens coreográficas criadas, gestos, posturas, maquiagem, adereços cênicos, iluminação, música, entre outras formas de comunicação. E o diálogo continua após a apresentação, pois é inevitável a conversa e os comentários que se sucedem a partir do que foi assistido.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


O problema que motivou esta pesquisa pôde ser sintetizado em uma pergunta que se repete, cada vez com mais frequência: quais são as possíveis relações a serem estabelecidas entre o espectador e aquilo que ele assiste, de modo a promover uma comunicação capaz de manter o seu interesse? E, a partir dela, seguiu-se outra: o que o jornalismo cultural tem feito para promover esse tipo de comunicação do espectador com o que vê?

Quando se trata de arte, a comunicação constitui um tema de muita complexidade. Aqui, o objetivo é refletir sobre o papel do jornalismo cultural na construção de uma forma de comunicação entre o espectador e a obra a partir da hipótese de que sempre acontece comunicação, mesmo quando o espectador não entende o que vê.

Como uma obra se faz entender? De que forma comunica? Qual é a natureza da comunicação que a linguagem corporal, que se utiliza de movimentos, tem capacidade de promover? É possível escapar da tirania do entendimento de que toda e qualquer comunicação precisa produzir significado no modelo da linguagem verbal? Como o jornalismo cultural atua na mediação entre obra e público?


(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


            Para lidar com a dança, o público continua em busca do mesmo entendimento com que lida com as formas de comunicação apoiadas na linguagem verbal: dedica-se a desvendar o significado da sua mensagem. Entende que o seu papel é o de conseguir identificar qual foi a intenção do artista criador e, na maioria das vezes, não consegue formular uma legenda explicativa para o que assiste. Essa tentativa frustrada de grande parte do público que entra em contato com a arte contemporânea, de modo geral, pode ser explicada por Susanne Langer em Ensaios Filosóficos “uma vez que o símbolo de arte não é discurso, a palavra mensagem é enganosa” (LANGER, 1980, p. 409). Esse é o traço que caracteriza, no caso da dança, a relação do público com os espetáculos que assiste, e configurou a ignição que moveu esta pesquisa.

            Mesmo que o propósito dos envolvidos com a dança não seja o de buscar esse tipo de significado, há que manter uma postura cuidadosa com relação à criação, pois defendo a necessidade de zelar para o que aqui estou nomeando de “vontade comunicativa”. Uma obra que apenas massageia o ego artístico de cada intérprete ou coreógrafo, sem levar em conta seu compromisso com o outro, a quem deveria propor um diálogo estético de interesse coletivo, deve ser repensada para abrigar essa preocupação, sem que isso signifique desistir de seus propósitos artísticos. Na mesma linha de defesa, Hegel, em O belo artístico ou o ideal, defende que “deva haver um acordo entre a subjetividade e o contexto, pois a obra deve dialogar com o público”. (HEGEL apud SIQUEIRA, 2006, p. 86).

            Partindo, então, da premissa que todo espetáculo comunica algo (mesmo que seja o interesse egóico de seu criador) e que esse algo está sempre chegando ao público de alguma forma – sendo essa a razão que sustenta a necessidade do criador manter uma atenção sobre a forma de comunicar as suas propostas artísticas – vale lembrar que há muitas instâncias participando da comunicação entre obra e público e que, dentre elas, o jornalismo cultural tem um papel de destaque. A reflexão que aqui se constrói almeja contribuir para que, em médio prazo, o público de dança possa aumentar e tornar-se mais diversificado.

O ideal seria que a ida ao teatro se transformasse em verdadeira experiência estética para, assim, possibilitar que algo aconteça, tocando, de fato, a sensibilidade de cada um. Mesmo com a dificuldade de termos experiências na atualidade, conforme defende Jorge Larrosa Bondía no texto Notas sobre a experiência e o saber de experiência, acredito que esse ideal deva fazer parte do processo criativo envolvendo bailarinos e coreógrafos. Para Bondía,

“a experiência requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais           devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço”. (BONDÍA, 2002, p. 24).

As artes enfrentam hoje essa dificuldade suplementar, que é a de conseguir fazer com que um possível interessado naquilo que cada uma delas propõe consiga abrir esse tipo de espaço e de tempo em sua vida; pois se vive o mundo da aceleração constante e do deletar tudo o que desagrada ou não capta a atenção instantaneamente. A plateia dos espetáculos de dança se forma, atualmente, com os que vivem essa realidade; daí a necessidade de se compreender a dificuldade em conseguir criar esse momento de pausa no dia a dia, que dificulta a possibilidade de se viver o encontro com a dança como uma experiência transformadora. Isso reflete diretamente na dificuldade de atingir um público maior e mais diversificado para a dança, algo a ser considerado pelos artistas e coreógrafos.

(Espetáculo Tempo - T.F.Style Cia de Dança)


Referências:

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 19, 2002.

LANGER, S. K. Sentimento e forma - Uma Teoria da Arte Desenvolvida a Partir de Filosofia em Nova Chave. São Paulo: Perspectiva, 1980.

SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.




Introdução da Monografia “A comunicação entre dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção da relação obra-espectador”, defendida para obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.



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