por Igor Gasparini
No
mês de setembro de 2017, o SESC-SP trouxe a companhia Mouvements Perpétuels, de Burkina Faso, país do continente africano,
para abertura da Bienal SESC de Dança, em Campinas, e apresentações no SESC
Vila Mariana, em São Paulo. Se tentarmos buscar na memória a quantidade de
trabalhos internacionais de dança contemporânea que escapem do eixo Europa - Estados
Unidos, programados no Brasil, fatalmente, teremos um número muito pequeno como
resultado. Desta forma, torna-se importante destacar a iniciativa e que esta
não se limite apenas a eventos ocasionais, mas permeie toda a programação de
dança nacional, seja com trabalhos da África, como também da Ásia, da América
Latina que, em geral, conhecemos muito pouco.
"Do Desejo de Horizontes" - Mouvments Perpétuels
É
preciso falar de Burkina Faso, primeiramente, porque nossa ignorância já inicia
com pouco ou quase nada de conhecimento sobre se quer onde este país se
localiza. No noroeste da África, possui fronteiras com Mali, Togo, Gana e Costa
do Marfim. Também é importante saber que até 1960 o país ainda era uma colônia
francesa e, como muitos países deste continente, sofrem até hoje as
consequências do estupro colonial, do racismo e das diversas mazelas sociais
que resultam em guerras civis, com grande movimento migratório em busca de
melhores condições de existência. É neste cenário que o trabalho “Do Desejo de Horizontes” se insere e busca refletir o tema do exílio,
inspirado por oficinas de dança contemporânea desenvolvidas pelo coreógrafo
Salia Sanou em campos de refugiados na África.
Em
tempos sombrios, também é preciso falar sobre acolhimento e respeito à vida.
Novamente com o olhar muito focado a versão única de uma história, somos
facilmente levados a comprar uma ideia de vitimização dos europeus ou
norte-americanos. Com ataques terroristas espalhados pelo mundo e, obviamente,
não querendo os justificar, tendemos a olhar com muita compaixão aos atentados,
mas não percebemos com o mesmo cuidado o quanto de violência esses Estados
praticam contra aqueles que por décadas foram colonizados. Falamos pouco sobre
o quanto é cada vez mais forte a negação e a tentativa de impedimento do
movimento migratório, resultando em números ainda mais significativos de mortes
daqueles que tentam entrar a todo custo em território europeu. Fugidos da
África, da Síria, ou de outros locais em que a situação é deveras pesada, a
situação faz com que o grande risco de se lançar ao mar seja a única saída.
E
todo este contexto é revelado em cena, não como narrativa, mas como potência de
corpo. É possível perceber a história de vida daqueles intérpretes, seja no
simples andar, correr ou estar parado no palco. Quando dançam, o movimento é
carregado de simbologia, de história, de raízes, que muito se assemelham àquela
realidade por aqui também vivida, no Brasil. Um país também colonizado por
europeus, com consequências da escravidão e do racismo que permanecem até hoje.
Portanto, mais do que falar sobre Burkina Faso, é preciso também destacar a potência
do gesto, carregado de história, de violência e de desejo; é preciso aplaudir
de pé e reconhecer nossa ignorância; é preciso valorizar a iniciativa do SESC e
cobrar que mantenham esta ponte área aberta a mais opções de origem; é preciso
celebrar a dança contemporânea de matriz africana e, por fim, reconhecer que o
entendimento de contemporâneo como técnica europeia ou norte-americana está
mais que ultrapassado. O pensamento contemporâneo clama por reflexões sobre o
momento presente, sobre violência, morte, identidade, racismo;
independentemente de qual matriz a dança surja. É preciso alteridade.
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