Por Igor Gasparini
Neste segundo texto sobre o papel do espectador, a abordagem
advém do texto O espectador emancipado, do
filósofo Jacques Rancière. Tal artigo é fruto do capítulo O espectador como questão da monografia de pós-graduação em
jornalismo cultural “A comunicação entre
dança e público: O papel do coreógrafo e do jornalismo cultural na construção
da relação obra-espectador”, que teve orientação da Profa. Dra. Helena Katz
e foi defendida na PUC-SP.
(Intervenção Deserto de Ilusões - SESC Santana - T.F.Style Cia de Dança)
Jacques Rancière, na obra O
Espectador Emancipado (2010), afirma
que não existe teatro sem espectadores, mesmo que seja apenas um, único e
escondido. Ele defende que
“a condição do espectador é uma coisa
ruim. Ser um espectador significa olhar para um espetáculo. E olhar é uma coisa
ruim, por duas razões. Primeiro, olhar é considerado o oposto de conhecer.
Olhar significa estar diante de uma aparência sem conhecer as condições que
produziram aquela aparência ou a realidade que está por trás dela. Segundo,
olhar é considerado o oposto de agir. Aquele que olha para o espetáculo
permanece imóvel na sua cadeira, desprovido de qualquer poder de intervenção.
Ser um espectador significa ser passivo. O espectador está separado da capacidade
de conhecer, assim como ele está separado da possibilidade de agir”. (RANCÈRE, 2010).
Se o espectador está separado da capacidade de conhecer e
agir porque apenas “olha” passivamente, existe uma outra possibilidade para
lidar com o que assiste? Para Rancière, existe sim, e se trata de tornar-se um
espectador emancipado.
O autor defende que existe a
necessidade de um novo teatro, sem a “condição de espectador”; pois esse
espectador emancipado estaria subordinado a outra relação, implícita no termo drama, que significa, por sua vez, ação.
Esses indivíduos irão “aprender coisas em vez de ser capturados por imagens,
onde vão se tornar participantes ativos numa ação coletiva em vez de
continuarem como observadores passivos” (RANCÈRE, 2010). Dessa forma, ele ainda
defende que o espectador deve ser liberado da passividade de observador que
fica fascinado pela aparência à sua frente e se identifica com as personagens
no palco, para ser confrontado com o espetáculo que cause estranhamento; para
lidar com um enigma e com a demanda de investigar esse estranhamento. Por fim,
esse espectador emancipado será impelido a abandonar seu antigo papel para
assumir o de cientista que observa fenômenos e procura suas causas.
(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)
O artista deve, então, se questionar: a quem se destina este
espetáculo? O que desejo com ele? Qual é a minha intenção? Novamente, é
importante ressaltar que tal intenção não necessariamente será lida pelo
espectador, mas caminhos serão apresentados a fim de sugerir possibilidades de
leitura, questionamento e reflexão.
Diferentes fatores favorecem a identificação do público e,
segundo Edgar Morin, é necessário que
“as personagens vivam com mais
intensidade, mais amor, mais riqueza afetiva do que o comum dos mortais. É
preciso, também, que as situações imaginárias correspondam a interesses
profundos, que os problemas tratados digam respeito intimamente a necessidades
e aspirações dos leitores ou espectadores” (MORIN, 1977, p. 86).
Não defendo que a comunicação deva
ser tratada como uma responsabilidade unidirecional, do artista para o público.
No fazer artístico, o que o espetáculo propõe não pode mesmo ser interpretado de
“forma correta” pelos espectadores, mas, assim como ocorre na comunicação verbal,
pode abrir possibilidades de interpretação, suscitar diferentes opiniões e
reflexões. Cada um que compõe o que se chama de “público de dança” irá
interpretar o espetáculo de acordo com a sua percepção, que pode não coincidir
com o caminho sugerido pelo autor da obra. Como diz Rancière,
“os espectadores vêem, sentem e
entendem algo na medida em que fazem os seus poemas como o poeta o fez, como os
atores, dançarinos ou performers o fizeram. O dramaturgo gostaria que eles
vissem esta coisa, sentissem este sentimento, entendessem esta lição a partir
do que eles vêem, e que partam para esta ação em consequência do que viram,
sentiram ou entenderam” (RANCIÈRE, 20102).
Ainda no mesmo livro, o autor defende que há uma distância
entre ator e o espectador. Mas há também a distância inerente à própria
performance, visto que ela é um "espetáculo" mediático, que se
encontra entre a ideia do artista e a leitura do espectador. O espetáculo é um
terceiro termo, a que os outros dois podem se referir, mas que impede qualquer
forma de transmissão "igual" ou "não-distorcida".
Independentemente dessa distância, a comunicação entre espectador e obra se faz
presente.
Por fim, Rancière ainda defende a ideia de que o teatro deva ser sinônimo para “comunidade
de corpo vivo”, em oposição à ilusão da mimesis, o que significa ter múltiplos
agentes no fazer teatral, incluindo o espectador emancipado, participativo e
atuante na obra. Dessa forma, critica o “espetáculo” pela sua externalidade,
essência da teoria de Guy Debord, pois o espetáculo estaria totalmente relacionado
à visão e esta, significa externalidade. “Quanto mais um homem contempla, menos
ele é” (DEBORD apud RANCIÈRE, 2010).
(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)
Referências:
MORIN, E. Cultura de Massas no século XX - O espírito do
tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.
RANCIÈRE, J. O espectador emancipado. [S.l.]: Olho
Negro, 2010.
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