sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Teatro Alternativo


Por Igor Gasparini 

     O teatro com pouca verba de produção, ou mais conhecido como “teatro de circuito alternativo” trata-se de uma opção bastante presente nas grandes metrópoles. Diversos grupos e pequenas companhias, aspirando crescimento na área, tentam buscar representatividade, realizando sua arte nestes espaços alternativos, pequenos teatros ou ainda em locais específicos para estes fins.

(Imagem da Internet)

     Com menos de 100 lugares, artistas precisam cuidar de todo o processo de produção do espetáculo, desde os ensaios e a atuação, até a captação de patrocínios e a busca por atrair o público para o espetáculo. É uma necessidade que faz com que os artistas tenham que procurar por apoio direto ou por qualquer retorno de mídia espontânea. Ainda assim, o principal atrativo é mesmo o “boca-a-boca”. 

     Nestes contextos, conforme pôde ser comprovado em entrevistas realizadas no “Espaço dos Satyros”, localizado na Praça Roosevelt, em São Paulo, local conhecido por ser referência no circuito alternativo, a principal motivação do público para assistir aos espetáculos é por ser indicação de algum amigo ou conhecido. É comum também se observar que o público possui interesses semelhantes e é composto principalmente por atores e estudantes de teatro que prestigiam a peça com o intuito de conhecer o trabalho de seus colegas de profissão ou apenas por assistir a algum espetáculo que conta com algum amigo no elenco. 

     Assim, vê-se pouca diversidade de público em uma peça de circuito alternativo, visto que, conforme pôde ser comprovado pelas entrevistas, as idades são muito próximas (adultos jovens) e possuem características bastante semelhantes, traçando um perfil específico e diferenciado daquele encontrado nas produções de alto orçamento. 

     Ao serem questionados sobre o que pensam das grandes produções de teatro, a maioria concorda que os valores do ingresso são elevados e que preferem frequentar o ambiente descrito aqui. As grandes produções, mesmo mantendo seus ingressos a valores que ultrapassam facilmente os cem reais, em teatros com capacidade de lotação para centenas de pessoas, permanecem em cartaz por muitos meses. 

     O que difere então um contexto do outro? Por que para o teatro alternativo é difícil lotar suas casas? Trata-se de uma questão de qualidade? O valor do ingresso corresponde à qualidade, ao “valor” do espetáculo? Se todas as produções são manifestações explícitas de cultura, por que essa grande diferença entre o perfil do público, do preço do ingresso e da quantidade de pessoas presentes? Seria a mídia responsável por confundir entretenimento com cultura, valorizando os “artistas conhecidos” e fazendo-os destacar diante de seus pares? Em minha opinião, não se trata da qualidade, mas de uma atitude da mídia de avalizar o que deve ou não ser consumido, o que gera um empobrecimento do repertório cultural.  



domingo, 17 de novembro de 2013

A relação entre Comunicação, Espectador e Dança - Texto 02


por Igor Gasparini

            A linguagem artística é sempre formada por muitos símbolos. Nela, uma cor, o silêncio, um figurino, um objeto, não estão sendo usados do mesmo modo como eles existem na vida cotidiana. Na arte, estão em uma função simbólica, isto é, estão representando algo. O silêncio, por exemplo, deixa de ser a ausência de ruídos e sons e pode passar a indicar uma incomunicabilidade, ou a representar uma ausência, ou um momento de extrema tensão. Evidentemente, o fato das linguagens artísticas se estruturarem com símbolos dificulta aquele desejo de traduzi-las como se faz com a linguagem verbal. Como garantir um sinônimo para um símbolo?

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)

Seja na dança ou em qualquer outra linguagem artística, como conseguir um consenso para o significado de um símbolo, quando se sabe que cada cultura produz as suas simbolizações e elas não são universais? Essa compreensão vai na direção do objeto que aqui se pesquisa: como comunicar quando os envolvidos no processo de comunicação lidam de maneiras distintas com os símbolos?

Em toda comunicação, segundo Rüdiger (2004), verifica-se a ocorrência de processos interpretativos, bastante distintos da simples decodificação dos significados existentes, na medida em que dependem da reelaboração, por parte de quem entra em contato com a linguagem, daquilo que ela traz. Dessa forma, no caso da dança, como no de qualquer outra linguagem artística, não será através da decodificação dos símbolos na busca de um entendimento na forma de um sinônimo (tal qual praticamos com a linguagem verbal) que a comunicação ocorrerá, pois toda comunicação nasce de processos interpretativos. Evidentemente, também a linguagem verbal não escapa disso, pois mesmo quando não sabemos “o que significa” algo, alguma forma de comunicação está sendo estabelecida. Não podemos esquecer que a não-comunicação também se constitui como uma forma de comunicação.

            Na Europa, a Teoria Crítica (também chamada por alguns de Escola de Frankfurt) nasce em contraposição às perspectivas positivistas e pragmáticas norte-americanas, com uma forte crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica realizada pelos meios de comunicação de massa. Reunindo um conjunto de pensadores e cientistas sociais alemães, que contou, dentre outros, com Theodor Adorno (1903 a 1969), Max Horkheimer (1895 a 1973), Erich Fromm (1900 a 1980) e Hebert Marcuse (1898 a 1979), e são responsáveis pelo conceito de indústria cultural. Walter Benjamin (1892 a 1940) e Siegfried Kracauer (1889 a 1966) não menos importantes, junto com os demais, são responsáveis pela criação da pesquisa crítica em comunicação. E Jürgen Hebermas (1929), segunda geração da Escola, também deve ser lembrado pelo seu esforço em criar uma teoria geral da ação comunicativa.

            Para este último, segundo Francisco Rüdiger, a comunicação social desempenha três funções coletivas: em primeiro lugar, a comunicação representa um processo de entendimento recíproco entre as pessoas, que serve para transmitir e renovar o conhecimento comum gerado no passado; constitui também um mecanismo de integração, que possibilita às pessoas se relacionarem socialmente, conforme determinados princípios de legitimidade; e, por fim, em terceiro lugar, constitui um mecanismo de socialização, pois possibilita às pessoas tomarem parte de processos de compreensão mútua e formarem sua própria singularização nestes contextos de interação.

“As pessoas se comunicam sempre tendo como pano de fundo um conjunto de conhecimentos, significados e convicções culturais mais ou menos difuso, uma espécie de acervo cultural de que os agentes se servem durante a ação comunicativa, mas ao mesmo colaboram para produzir, toda a vez que se põem em comunicação” (RÜDIGER, 2004, p. 96).

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)

            Walter Benjamin, em um de seus mais famosos textos da área da comunicação, A obra de arte na era de suas técnicas de reprodução (1936), apresenta a sua tese sobre a perda da aura da obra de arte.  Para ele, após a fotografia, as tecnologias da comunicação resumiam-se à reprodução. O filme, o vídeo, ao contrário da pintura ou de uma peça teatral, não seriam mais obras do mesmo tipo de arte de que elas fazem parte, por conta da sua existência se vincular a uma íntima relação com os aparatos técnicos da reprodução. Pensando na questão da reprodutibilidade técnica em relação à arte, o espetáculo de dança seria, então, do mesmo tipo de arte da pintura, por exemplo, no momento enquanto ocorre, mantendo-se, assim, ainda atado à relação da obra de arte com a sua aura. Já o registro em vídeo do mesmo, por sua vez, como não possui as mesmas características de acontecimento único e ao vivo, se enquadra na referência da reprodutibilidade benjaminiana. Ainda para o mesmo autor, a consequência da reprodução é a perda da aura da obra de arte, que na sua manifestação única e em tempo real, possui caráter artesanal – o que a distingue de todas as formas de reprodução que permitem escala industrial.


            Segundo Walter Benjamin, em Teoria da Cultura de Massa, organizado por Luiz Costa Lima (2005), afirma:

“Com a fotografia, pela primeira vez a mão se liberou das tarefas artísticas essenciais, no que toca à reprodução das imagens, as quais, doravante, foram reservadas ao olho fixado sobre a objetiva. Todavia, como o olho aprende mais rápido do que a mão desenha, a reprodução das imagens pode ser feita, a partir de então, num ritmo tão acelerado que consegue acompanhar a própria cadência das palavras. Poder-se-ia dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução destacam o objeto reproduzido do domínio da tradição. Multiplicando-lhe os exemplares, elas substituem por um fenômeno de massa um evento que não se produziu senão uma vez” (LIMA, 2004, p. 225).

O registro de um espetáculo é um bom exemplo. Além de poder ser reproduzido em escala, ele mesmo não passa de um recorte da obra à qual se refere. Foi direcionado pelo olhar de quem usou o equipamento e pelas condições técnicas desse equipamento.

O público também faz isso, pois também “edita” o que está assistindo, vendo, escutando, lendo, de acordo com a sua percepção daquilo com o que está entrando em contato. Mas, nesse caso, a edição do seu olhar, quando em contato direto com a obra, não tem qualquer reprodutibilidade técnica. Apenas edita, selecionando, com a sua atenção, algo dentro do que está sendo apresentado. Ao assistir um registro da obra, faz suas escolhas sobre uma outra escolha, já feita pelo autor daquele registro, que transformou a obra em imagem da obra. No caso da dança, não há como deixar de atentar para a relevância dessa situação, especialmente no mundo atual, quando a disponibilização da informação sobre dança se faz, na sua maioria, na forma de imagens sobre as obras de dança que são continuamente postadas na internet. A comunicação, que começa no processo de percepção que nos liga ao mundo, acontece atualmente, sobretudo a partir dessas imagens – assunto que merece uma pesquisa exclusiva, e que não será aqui desenvolvido. 

Em dança, quando o bailarino não apresenta a obra ao vivo, não tem a possibilidade de ir ajustando, enquanto está dançando, a partir do que percebe como reação dos espectadores, ou seja, também ao bailarino cabe um pequeno espaço de “edição” do material que ensaiou. No vídeo, um certo modo de realizar está congelado e passa a servir de referência como sendo “o” modo de ser feito – o que traz consequências sobre as quais se vale atentar. 

(Espetáculo Deserto de Ilusões - T.F.Style Cia de Dança)


Referências:

LIMA, L. C. (. Teoria da Cultura de Massa. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

RÜDIGER, F. Introdução à Teoria da Comunicação: problemas, correntes e autores. 2a. ed. São Paulo: Edicon, 2004.


domingo, 10 de novembro de 2013

A Fisicalidade do Grupo de Rua


por Igor Gasparini

Neste último final de semana (9 e 10), o Teatro Alfa (SP) recebeu a companhia de dança dirigida por Bruno Beltrão. O Grupo de Rua, reconhecido internacionalmente, apresentou o espetáculo Crackz e trouxe a referência tecnológica do termo para o corpo. Em processo coletivo de observação de ações cotidianas, os intérpretes selecionaram aquelas que os motivavam a copiar para então construir um trabalho que espanta pela fisicalidade.




Corpos fortes e com uma presença cênica característica do hip hop, não resultam em um espetáculo de danças urbanas, mas em um trabalho contemporâneo que investiga e se constitui por um vocabulário único desenvolvido pelo coreógrafo de Niterói (RJ). Justamente por esse diferencial, o Grupo de Rua ganhou espaço nos principais eventos de dança do mundo, apresentando-se em mais de 20 países da Europa, Ásia, América do Sul, América do Norte e África, com destaque para NRW International Dance Festival (2008), dirigido por Pina Bausch.

Um misto de força e equilíbrio; giros e mais giros; no plano alto e baixo; refletem o potencial que o corpo tem em sua fisicalidade extrema. Mas esse corpo não transmite apenas dança, é a própria mídia de si mesmo (à luz da Teoria Corpomídia, KATZ e GREINER), revelando muito da história de cada um, da origem da companhia e da cultura hip hop.

Todo corpo, humano ou não, existe e pode ser chamado de corpo quando puder ser identificado por uma coleção circunscrita de informações que não para de se transformar. “Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças” (KATZ e GREINER, 1998, p. 91). Sendo cada corpo mídia de si mesmo, isto é, do conjunto circunstancial de informações que o torna corpo, é possível afirmar que os processos de comunicação nele não se estancam, visto que o fluxo de trocas entre corpo e ambiente é constante.

Cabe destacar o aspecto comunicacional implicado no modo “como o movimento se especializa a ponto de se transformar em representação teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música, ou seja, suas ações no mundo em forma de arte” (KATZ e GREINER, 1998, p. 94). Mais um espetáculo de dança, mas é pelo, e através dos corpos, que se vê muito mais que isso: nota-se a cultura hip hop e seu poder questionador; a afirmação do eu no mundo; a luta pela igualdade sócio-racial... Assim, ao assistir ao trabalho de Bruno Beltrão, você se depara com a realidade de como transformar talento em arte, levando ao mundo um recorte do Brasil; um recorte muitas vezes velado. Diferentemente do próprio nome da cidade de Niterói (do tupi “Água que se esconde”), aqui, é o inverso, é na revelação do potencial artístico e de vocabulário próprio do Grupo de Rua que os colocam em sintonia com os grandes trabalhos contemporâneos da atualidade.




Referências:

KATZ, H. Corpomídia não tem interface: o exemplo do corpo-bomba. In Corpo em Cena. Volume 1. São Paulo, 2010.
KATZ, H.; GREINER, C. A natureza cultural do corpo. In Lições de Dança 3. Org.: Silvia Soter Roberto Pereira. Rio de Janeiro: Univercidade, 1998.
__________. Visualidade e imunização: o inframince do ver/ouvir a dança. Anais do II Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança. São Paulo, 2012.