Por Igor Gasparini
O ano de
2020 surpreendeu a todos com as consequências de uma pandemia global que, só no
Brasil, já matou mais de 172.000 pessoas (número atualizado no momento da
publicação deste texto). Todas as áreas foram afetadas drasticamente, mas dois
setores continuam sentindo bastante as consequências do isolamento: a cultura e
a educação. Diante deste cenário, esse artigo busca refletir sobre estratégias
possíveis para pensar processos artísticos e formativos em tempos pandêmicos.
Quais as possibilidades para o professor-artista hoje?
Talvez
não só hoje, acredito na função do professor, do artista e do professor-artista,
como mediador, como aquele que irá construir pontes para o aprendizado ativo de
seus alunos. Segundo Jesus Martín-Barbero (2009), se pensarmos na própria
etimologia da palavra mediação,
temos como possibilidades de mediar: agir por, agir entre, colocar-se entre. O
processo de mediação aqui proposto não significa fazer média e, ao contrário de
imediatismo, que é negação, buscar uma resposta pronta que resulta no
atropelamento das ações.
Dessa
forma, proponho pensar a mediação sem ter respostas rápidas e prontas, mas de
construir reflexão e estratégias para que o próprio indivíduo seja capaz de
pensar por conta própria. E isso pode ser realizado, à distância, pelas telas. Tal
condição mostra-se cada vez mais rara em contextos de educação tecnicista, aquela
que prepara a pessoa exclusivamente para servir a um sistema capitalista
neoliberal, qualificando para o trabalho. Por outra via, como já defendia Paulo
Freire décadas atrás, a educação forma e transforma, fazendo o aprendiz
questionar, inclusive, o seu papel social.
Para
Martín-Barbero (2009b, p. 153), a mediação sempre possuiu mais relação com as
dimensões simbólicas da construção do coletivo, envolvendo não apenas a
cultura, mas também a sociedade e a política. De tal modo, estaria envolvida
tanto nos processos de ensino-aprendizagem, quanto nos processos de fruição
artística.
“A comunicação e a cultura constituem hoje um campo
primordial de batalha política: o estratégico cenário que exige que a política
recupere sua dimensão simbólica – sua capacidade de representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento
de pertencer a uma comunidade – para
enfrentar a erosão de ordem coletiva” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 15).
Este dado
importa bastante quando se leva em conta a tendência de atribuir dificuldade de
comunicação somente para as linguagens artísticas, sobretudo as da arte
contemporânea. Podemos levantar as seguintes questões: Como uma obra se faz
entender? De que forma comunica? Qual é a natureza da comunicação que a
linguagem corporal, que se utiliza de movimentos, tem capacidade de promover? É
possível escapar da tirania do entendimento de que toda e qualquer comunicação
precisa produzir significado no modelo da linguagem verbal? O jornalismo
cultural pode/deve mediar obra e público? Qual o papel da educação? Ou do
professor? E do professor-artista?
“o que cria plateia é a educação,
uma política pública de promoção da arte que leve os espetáculos aonde houver
gente que esteja faminta por eles, embora possa até não ter consciência disso,
ou que faça com que as pessoas frequentem os espaços onde eles estão sendo
apresentados. O jornal não produz a notícia; ele identifica o que é notícia e a
divulga, em suas páginas, sob uma perspectiva que considere interessante a seus
leitores, funcionando como um amplificador da informação” (RUBIN, Nani apud NORA, S., 2010, p. 43).
“A mediação teatral torna a plateia atenta à situação social
em que o próprio teatro se encontra, dando a deixa para a plateia agir
consequentemente. Ou, de acordo com o esquema artaudiano, faz com que eles
abandonem a condição de espectador:
eles não estão mais sentados diante do espetáculo, estão cercados pela cena,
arrastados pelo círculo da ação, o que devolve a eles sua energia coletiva”
(RANCIÈRE, 201029).
A dificuldade de uma comunicação não imediata com o público
precisa ser enfrentada, e a repetição de oportunidades de encontro com as
produções artísticas contemporâneas tem papel importante na necessidade de
criar-se um novo hábito. Se o
treinamento hoje é pelo distanciamento social e pelo excesso de telas, outra
possível ação dos professores-artista seria a conscientização dos problemas
envolvidos nestas práticas, vislumbrando o reencontro físico e com as obras de
artes quando seguro for.
E tais reflexões advêm de duas décadas de trabalho contínuo na arte e na educação, acreditando na função que podem desempenhar, desde a infância, caso trabalhassem de forma consistente e continuada os diversos fazeres da arte, incluindo as manifestações contemporâneas. Ao não fazer deste modo, impede-se o desenvolvimento de uma familiaridade com a produção artística. Juntando-se a omissão da educação com o tipo de tratamento das manifestações artísticas praticado nas diversas mídias, não há encontros com essa outra maneira de pensar presente na arte contemporânea. Assim, dificilmente ela se tornará mais popular. E o momento é de agravamento da situação, visto que o Brasil é um país um tanto desigual, o que impede que os processos de mediação pelas telas sejam amplos e democráticos. E dessa forma, nós, professores-artistas, talvez tenhamos ainda mais desafios a enfrentar neste momento pandêmico atual. Não desistamos!
Referências Bibliográficas:
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às
mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
MARTÍN-BARBERO, J. A
comunicação na Educação. São Paulo: Contexto, 2014.
NORA, S. Temas para a Dança
Brasileira. São Paulo: Edições SESC SP, 2010.
RANCIÈRE, J. O espectador
emancipado. [S.l.]: Olho Negro, 2010.
SIQUEIRA, D. D. C. O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.
Cito, para finalizar, uma experiência de realização de processos criativos em dança e de mediação realizada pelo T.F.Style Cia de Dança, inspirada pelos Programas Performativos, desenvolvidos por Eleonora Fabião:
https://tfstyleciadedanca.blogspot.com/
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