Por Thiago Alixandre
Num sentido anatômico e não
matemático, a matriz é o órgão
das fêmeas dos mamíferos, na cavidade pélvica, onde o embrião e posteriormente
o feto se desenvolvem. Neste sentido pode-se dizer que as matrizes da TF Style cia de dança derivam das
danças urbanas.
Foto: Danilo Patzdorf
Em Sob a Pele (2016), sua mais recente coreografia, a TF vai aos
poucos misturando no corpo um fazer com atravessamentos no qual as danças
urbanas se tornam uma espécie de perfume da memória uterina.
Dirigida pelo bailarino Igor
Gasparini e realizada pelo seu afinado elenco, a cia materializou nos últimos nove
anos um percurso no qual produziu oito coreografias. Um número admirável quando
se sabe que há um contingenciamento cultural no qual a falta de financiamento dos
trabalhos artísticos hostilizam a sobrevivência de grupos e sua produtividade.
Neste caso, a pulsão criativa driblou o contingente fazendo disso um dos traços
principais do percurso profissional da Cia.
Com as raízes coreográficas na rua e
seus frutos dramatúrgicos no palco, o desafio desta proposta artística parece
ser o de conciliar a leitura contemporânea que faz das danças urbanas com o
modo composicional de realizar suas obras.
Sob a Pele
cumpre a tarefa artística de perturbar os hábitos cognitivos da plateia e não
atender a expectativa do ideário comum associado ao Hip Hop, todavia vale se
atentar para uma lógica que a obra revela. Nela parece conviver dois
entendimentos de dança. Num a dança é uma conversa do corpo com o espaço,
noutro os movimento e os espaços são usados para tentar falar algo. Uma
dramaturgia feito pele que não se contradiz, mas tem avesso.
Na história da dança cênica, a certa
altura, do barroco ao período romântico, a dança deseja contar uma trama, já na
modernidade ela abandona a necessidade de contar uma historia, mas ainda tem a
necessidade de comunicar um assunto ou tema do qual fala sobre. Mais a diante,
na pós modernidade alguns artistas entendem que quando a dança é usada como
suporte de metáforas e mensagens, ela fica refém desta função e se esvazia na
potencia de gesto por isso tentam emancipar a dança destas funções, permitindo
a dança explorar a si mesma e dizer-se.
As danças cênicas tem uma história
diferente das danças urbanas, todavia vale lembrar que em sua matriz as danças
de rua, quando estão na rua, elas tendem a explorar a plenitude dos gestos, ou
seja, o jeito de fazer aquele movimento e
de mover-se com ele, raramente tem a intenção de significar algo para além do
gesto.
Quando a dança de rua entra no palco,
o que ficou na calçada? Esta parece ser a pergunta que a TF Style cia de dança
tem se feito e que Sob A Pele explora
poeticamente. As vezes na cena existe apenas um ambiente sonoro e uma conversa
do corpo com ele, não uma legenda sublinhadora, em diversas situações nossa
percepção é convocada a seguir lendo um corpo que comanda a dramaturgia, que se
apoia no seu gesto para comunicar-se.
Noutras situações, por terem narrativas próprias, as músicas atrapalham
a narrativa do corpo, elas se sobrepõem, ganham mais espaço que o corpo que
dança e se tornam protagonistas da cena.
São dois tipos de entendimento sobre
cena e dramaturgia que conflitam em Sob a
Pele, um entendimento se escama no outro e ainda não fica claro se o
confronto é para um extinguir o outro, ou se é para deste atrito vencer um
jeito de fazer que ainda está em curso.
Foto: Isis Gasparini
A obra coreográfica permeia uma
camada estética fina da pele que tange, vai se descascando e deixando em suspenso se
as próximas criações não se importarão com a cobrança de contar algo, dar uma
notícia ou fazer uma pergunta e assim passar a existir em sua plenitude como
dança, ou se a exploração investigativa de sentidos seguirá na direção de
emitir mensagens com o corpo.
Seja uma ou seja a outra, o mais
importante parece ser a continuidade desta proposta, pois só o fazer poderá
responder a pergunta que ele mesmo se fez. Felizmente de pele trocamos todos os
dias.
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