quarta-feira, 24 de junho de 2015

Como um boneco de Voodoo...


Por Igor Gasparini

Quatro artistas... Público ao redor... Um tapete, um relógio, camisetas e tinta... O ringue estava formado. No silêncio, a cena inicia e a ausência de trilha sonora permanece por todo o trabalho. Uma ideia interessante que contribuiu para a construção dramatúrgica proposta. Um primeiro solo e, aos poucos, iniciam as relações: duos, trios e quartetos vão acontecendo quase que naturalmente, como uma brincadeira, ora caótica, ora organizada.


(Trabalho de Conclusão de Curso Técnico de Dança - ETEC - 2015) 

Desde muito cedo, é possível perceber o que os intérpretes-criadores, agora formados no Curso Técnico de Dança da ETEC, levaram à cena diversos jogos de improviso, nos quais o foco era sempre direcionado às oposições do peso e contrapeso; ao trabalho de força e sustentação; e às recorrentes quedas. No público, era possível perceber certo incômodo cada vez que um corpo desmoronava no chão. À distância, é como se os espectadores sentissem a dor daquelas quedas, como em um boneco de voodoo... Da mesma forma que no trabalho da Companhia Cena 11, que desenvolveu exatamente esse conceito de corpo vodu em seus espetáculos, propondo cenas em que eram trabalhadas diferentes quedas, mas desenvolvidas tecnicamente, não machucando os bailarinos e incomodando apenas, à distância, o público.

Não sei se os jovens artistas chegaram a pensar neste diálogo com a Companhia catarinense dirigida por Alejandro Ahmed, mas o fato é que mesmo após a apresentação, na conversa teórica sobre o trabalho, houve até professor que estivesse preocupado em “chamar o Samu”. E eu espero que tal ligação não se fizesse necessária, já que os intérpretes tiveram meses de preparação e seria inteligente pensar na saúde desse corpo ao longo deste processo. Se utilizado com astúcia, o incômodo que causaram no público, para mim, é o grande destaque desta performance de conclusão de curso.

(Grupo Cena 11 - Espetáculo Embodied Voodoo Game) 

Outro diálogo que me ocorreu assistindo ao processo dos alunos foi com a obra Mairto, da Caleidos Cia de Dança. Nesta, a partir de uma notícia de jornal, são abordados temas relacionados ao machismo e à homofobia. Em cena, um ringue e bailarinos “lutadores” que, em cada round, desenvolvem diferentes jogos de improviso. Penso no diálogo mais pelos jogos do que pelo ringue em si e, com isso, é interessante pensar como os processos em dança têm sido levados à cena não como resultado, mas como obra inacabada passível de interferências dos artistas ao público. Dessa forma, o conceito de obra “fechada” deve ser repensado não apenas no contexto de formação técnica, mas no cenário profissional da dança, já que se configura como uma realidade na arte contemporânea em geral.

(Caleidos Cia de Dança - Espetáculo Mairto) 


E é necessário que o espectador perceba que o seu papel vai além de buscar entender a obra para chegar a uma relação experiencial com ela, pois o espetáculo não ocorre independente da relação com o público, sendo o resultado daquilo que é produzido nesta relação. O fato de apresentar o resultado de um processo de criação não encerra o processo, mas, ao contrário, propõe a sua continuidade, agora na presença dos espectadores. Como evitar a famosa pergunta: “mas o que vocês quiseram dizer”?
          
      Na sequência da apresentação, sem muito tempo para enxugar o suor que ainda escorria nos rostos, seja pela performance ou pela ansiedade em si, era o momento de apresentar publicamente a reflexão crítica que norteou o trabalho de conclusão. Ainda jovens e, de certa forma, inexperientes academicamente, foram levantando, com nervosismo, o histórico de formação do grupo, afinidades e dificuldades que encontraram no processo de desenvolvimento deste trabalho e apresentaram algumas citações de autores diversos que, segundo uma das professoras, poderiam ter sido aprofundadas melhor.

Porém, pensando no foco de um curso técnico de dança, diferentemente de um curso universitário, foi notório que na prática, no processo apresentado, o trabalho foi reconhecido por todos, tendo a certeza de que estão aptos a seguirem profissionalmente em suas companhias, dando aulas ou desenvolvendo suas pesquisas corporais em dança. Como na cena, o relógio tocou colocando um ponto final na discussão e não havia mais tempo para o diálogo. O que restou foram as palavras emocionadas de agradecimento e, talvez, um roxo aqui e ali.


Curso Técnico de Dança da ETEC Trabalho: VoNumVô Intérpretes: Cezar Augusto, João Batista, Mayara Rosa e Tiago Nascimento Orientação: Ana Sheldon Co-orientação: Camila Davanzo

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