domingo, 23 de março de 2014

Eu digo não ao não. Eu digo: É proibido proibir


por Igor Gasparini

            Em homenagem aos 50 anos do Golpe Militar de 1964, que instaurou a Ditadura no Brasil, publico este texto escrito para uma disciplina da pós-graduação em Jornalismo Cultural, concluída pela PUC-SP.            


          O TUCA, Teatro da Universidade Católica de São Paulo, palco de inúmeras manifestações sociais e políticas, dentre elas as reuniões clandestinas da União Nacional dos Estudantes, foi sede da eliminatória paulista do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo. Neste ambiente revolucionário fortemente combatido pela ditadura, dois incêndios criminosos tentaram calar as vozes do TUCA, vozes estas que vaiaram Caetano Veloso em 1968, ao apresentar “É proibido proibir”.

Caetano rebateu as manifestações alegando que havia uma vontade de policiar a música brasileira e, dirigindo à platéia e ao júri, disparou: “Vocês não estão entendendo nada!”. A canção é desclassificada, mas o recado estava dado. Em três meses, o Ato Institucional Número 5 é instaurado e a repressão atinge o seu auge.

            Com o Congresso fechado por tempo indeterminado, forte censura adentra as redações dos jornais, das rádios, da televisão; persegue políticos que eram contra o regime, intelectuais, artistas, e todos aqueles que tentassem conscientizar a população sobre a realidade opressora brasileira. Qualquer iniciativa à democracia era combatida ferrenhamente. Escritores e jornalistas foram presos, artistas eram trancados em mictórios de quartel, outros tantos desapareceram; Caetano Veloso e Gilberto Gil, após terem seus cabelos longos raspados, no Rio de Janeiro, foram confinados em Salvador e auto-exilados para Londres. Caetano compôs: Eu quero ir, minha gente; Eu não sou daqui; Eu não sou nada; Quero ver Irene rir, em homenagem a sua irmã.

            Embora uns digam que Veloso e Gil foram forçados ao exílio, outros defendem a negação à ditadura e a saída por vontade própria, entretanto, é inegável a posição política esquerdista ativa sucessivamente defendida por eles, angariando com isso diversos inimigos no Regime Militar.

       O público do Festival era composto quase unicamente por universitários que, ao primeiro dia, dividiram-se entre a música de Caetano e a consagrada Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. Esta vence a eliminatória paulista, mas fica em segundo lugar, sob protestos, na final realizada no Maracanãzinho, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. A letra de Vandré incomodava os censores, mas ao mesmo tempo era ideal para os barulhos nas passeatas e nas festas estudantis.




            Na sequência do festival, com sua roupa espalhafatosa, com seu arranjo eletrônico, com sua performance extravagante, o resultado foi a incompreensão do público que se manifestou atirando de bolas de papéis a ovos, gritando e xingando Caetano Veloso. No calor da hora, a desestruturação da Tropicália que não correspondia ao imediatismo do combate ao regime militar, não foi capaz de ser compreendida.

            Entretanto, era um ano em que jovens promissores falavam alto. Os 24 anos de Chico, os 26 de Caetano, os 29 de Glauber consagravam uma juventude inquieta, representando uma sociedade descontente. Do outro lado, no mesmo ano de 1968, todo um Regime Ditatorial que espancou atores da peça Roda-Viva, ateou fogo no Teatro Paulista e destruiu o Teatro Opinião, prendeu 920 estudantes em Ibiúna, explodiu uma bomba na Editora Civilização Brasileira, dentre tantas outras manifestações opressivas.

            Em dezembro, é baixado o AI-5, pouco depois de Richard Nixon ter sido eleito nos Estados Unidos e da invasão da Tchecoslováquia pela União Soviética. O Brasil refletia as influências políticas internacionais anteriores e termina seu ano com a imprensa censurada, com centenas de presos, diversas denúncias de tortura e morte, mas com a força de oposição daqueles que lutariam por anos e anos pelo retorno à democracia.


Assim, a resistência continuou a perpetuar, em anos de silêncio de muitos e barulho de poucos, mas ruídos que marcam positivamente a história, diferentemente do rastro de sangue derrubado pela ditadura. Deixemos Marília Pêra atuar em Roda-viva, permitamos que Glauber Rocha dê o seu grito do Corisco, e cantemos juntos com Caetano Veloso: É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.



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