por Igor Gasparini
Em homenagem aos 50 anos do Golpe Militar de 1964, que instaurou a Ditadura no Brasil, publico este texto escrito para uma disciplina da pós-graduação em Jornalismo Cultural, concluída pela PUC-SP.
O TUCA, Teatro da Universidade
Católica de São Paulo, palco de inúmeras manifestações sociais e políticas,
dentre elas as reuniões clandestinas da União Nacional dos Estudantes, foi sede
da eliminatória paulista do 3º Festival Internacional da Canção, promovido pela
TV Globo. Neste ambiente revolucionário fortemente combatido pela ditadura,
dois incêndios criminosos tentaram calar as vozes do TUCA, vozes estas que
vaiaram Caetano Veloso em 1968, ao apresentar “É proibido proibir”.
Caetano rebateu as manifestações alegando que havia uma vontade
de policiar a música brasileira e, dirigindo à platéia e ao júri, disparou:
“Vocês não estão entendendo nada!”. A canção é desclassificada, mas o recado
estava dado. Em três meses, o Ato Institucional Número 5 é instaurado e a
repressão atinge o seu auge.
Com o Congresso fechado por tempo
indeterminado, forte censura adentra as redações dos jornais, das rádios, da
televisão; persegue políticos que eram contra o regime, intelectuais, artistas,
e todos aqueles que tentassem conscientizar a população sobre a realidade
opressora brasileira. Qualquer iniciativa à democracia era combatida
ferrenhamente. Escritores e jornalistas foram presos, artistas eram trancados
em mictórios de quartel, outros tantos desapareceram; Caetano Veloso e Gilberto
Gil, após terem seus cabelos longos raspados, no Rio de Janeiro, foram
confinados em Salvador e auto-exilados para Londres. Caetano compôs: Eu quero ir, minha gente; Eu não sou daqui;
Eu não sou nada; Quero ver Irene rir, em homenagem a sua irmã.
Embora uns digam que Veloso e Gil
foram forçados ao exílio, outros defendem a negação à ditadura e a saída por
vontade própria, entretanto, é inegável a posição política esquerdista ativa
sucessivamente defendida por eles, angariando com isso diversos inimigos no
Regime Militar.
O público do Festival era composto
quase unicamente por universitários que, ao primeiro dia, dividiram-se entre a
música de Caetano e a consagrada Pra não
dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. Esta vence a eliminatória
paulista, mas fica em segundo lugar, sob protestos, na final realizada no
Maracanãzinho, perdendo para Sabiá,
de Chico Buarque e Tom Jobim. A letra de Vandré incomodava os censores, mas ao
mesmo tempo era ideal para os barulhos nas passeatas e nas festas estudantis.
Na sequência do festival, com sua
roupa espalhafatosa, com seu arranjo eletrônico, com sua performance
extravagante, o resultado foi a incompreensão do público que se manifestou atirando
de bolas de papéis a ovos, gritando e xingando Caetano Veloso. No calor da
hora, a desestruturação da Tropicália que não correspondia ao imediatismo do combate
ao regime militar, não foi capaz de ser compreendida.
Entretanto, era um ano em que jovens
promissores falavam alto. Os 24 anos de Chico, os 26 de Caetano, os 29 de
Glauber consagravam uma juventude inquieta, representando uma sociedade
descontente. Do outro lado, no mesmo ano de 1968, todo um Regime Ditatorial que
espancou atores da peça Roda-Viva, ateou fogo no Teatro Paulista e destruiu o
Teatro Opinião, prendeu 920 estudantes em Ibiúna, explodiu uma bomba na Editora
Civilização Brasileira, dentre tantas outras manifestações opressivas.
Em dezembro, é baixado o AI-5, pouco
depois de Richard Nixon ter sido eleito nos Estados Unidos e da invasão da
Tchecoslováquia pela União Soviética. O Brasil refletia as influências
políticas internacionais anteriores e termina seu ano com a imprensa censurada,
com centenas de presos, diversas denúncias de tortura e morte, mas com a força
de oposição daqueles que lutariam por anos e anos pelo retorno à democracia.
Assim, a resistência continuou a perpetuar, em anos de
silêncio de muitos e barulho de poucos, mas ruídos que marcam positivamente a
história, diferentemente do rastro de sangue derrubado pela ditadura. Deixemos
Marília Pêra atuar em Roda-viva, permitamos que Glauber Rocha dê o seu grito do
Corisco, e cantemos juntos com Caetano Veloso: É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.
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