sexta-feira, 22 de setembro de 2017

É preciso falar sobre Burkina Faso


por Igor Gasparini

                No mês de setembro de 2017, o SESC-SP trouxe a companhia Mouvements Perpétuels, de Burkina Faso, país do continente africano, para abertura da Bienal SESC de Dança, em Campinas, e apresentações no SESC Vila Mariana, em São Paulo. Se tentarmos buscar na memória a quantidade de trabalhos internacionais de dança contemporânea que escapem do eixo Europa - Estados Unidos, programados no Brasil, fatalmente, teremos um número muito pequeno como resultado. Desta forma, torna-se importante destacar a iniciativa e que esta não se limite apenas a eventos ocasionais, mas permeie toda a programação de dança nacional, seja com trabalhos da África, como também da Ásia, da América Latina que, em geral, conhecemos muito pouco.

"Do Desejo de Horizontes" - Mouvments Perpétuels

                É preciso falar de Burkina Faso, primeiramente, porque nossa ignorância já inicia com pouco ou quase nada de conhecimento sobre se quer onde este país se localiza. No noroeste da África, possui fronteiras com Mali, Togo, Gana e Costa do Marfim. Também é importante saber que até 1960 o país ainda era uma colônia francesa e, como muitos países deste continente, sofrem até hoje as consequências do estupro colonial, do racismo e das diversas mazelas sociais que resultam em guerras civis, com grande movimento migratório em busca de melhores condições de existência. É neste cenário que o trabalho “Do Desejo de Horizontes” se insere e busca refletir o tema do exílio, inspirado por oficinas de dança contemporânea desenvolvidas pelo coreógrafo Salia Sanou em campos de refugiados na África.

                Em tempos sombrios, também é preciso falar sobre acolhimento e respeito à vida. Novamente com o olhar muito focado a versão única de uma história, somos facilmente levados a comprar uma ideia de vitimização dos europeus ou norte-americanos. Com ataques terroristas espalhados pelo mundo e, obviamente, não querendo os justificar, tendemos a olhar com muita compaixão aos atentados, mas não percebemos com o mesmo cuidado o quanto de violência esses Estados praticam contra aqueles que por décadas foram colonizados. Falamos pouco sobre o quanto é cada vez mais forte a negação e a tentativa de impedimento do movimento migratório, resultando em números ainda mais significativos de mortes daqueles que tentam entrar a todo custo em território europeu. Fugidos da África, da Síria, ou de outros locais em que a situação é deveras pesada, a situação faz com que o grande risco de se lançar ao mar seja a única saída.


                E todo este contexto é revelado em cena, não como narrativa, mas como potência de corpo. É possível perceber a história de vida daqueles intérpretes, seja no simples andar, correr ou estar parado no palco. Quando dançam, o movimento é carregado de simbologia, de história, de raízes, que muito se assemelham àquela realidade por aqui também vivida, no Brasil. Um país também colonizado por europeus, com consequências da escravidão e do racismo que permanecem até hoje. Portanto, mais do que falar sobre Burkina Faso, é preciso também destacar a potência do gesto, carregado de história, de violência e de desejo; é preciso aplaudir de pé e reconhecer nossa ignorância; é preciso valorizar a iniciativa do SESC e cobrar que mantenham esta ponte área aberta a mais opções de origem; é preciso celebrar a dança contemporânea de matriz africana e, por fim, reconhecer que o entendimento de contemporâneo como técnica europeia ou norte-americana está mais que ultrapassado. O pensamento contemporâneo clama por reflexões sobre o momento presente, sobre violência, morte, identidade, racismo; independentemente de qual matriz a dança surja. É preciso alteridade.