Por Igor Gasparini
Quatro artistas...
Público ao redor... Um tapete, um relógio, camisetas e tinta... O ringue estava
formado. No silêncio, a cena inicia e a ausência de trilha sonora permanece por
todo o trabalho. Uma ideia interessante que contribuiu para a construção
dramatúrgica proposta. Um primeiro solo e, aos poucos, iniciam as relações:
duos, trios e quartetos vão acontecendo quase que naturalmente, como uma
brincadeira, ora caótica, ora organizada.
(Trabalho de Conclusão de Curso Técnico de Dança - ETEC - 2015)
Desde
muito cedo, é possível perceber o que os intérpretes-criadores, agora formados
no Curso Técnico de Dança da ETEC, levaram à cena diversos jogos de improviso,
nos quais o foco era sempre direcionado às oposições do peso e contrapeso; ao
trabalho de força e sustentação; e às recorrentes quedas. No público, era
possível perceber certo incômodo cada vez que um corpo desmoronava no chão. À
distância, é como se os espectadores sentissem a dor daquelas quedas, como em um
boneco de voodoo... Da mesma forma que no trabalho da Companhia Cena 11, que desenvolveu exatamente
esse conceito de corpo vodu em seus
espetáculos, propondo cenas em que eram trabalhadas diferentes quedas, mas
desenvolvidas tecnicamente, não machucando os bailarinos e incomodando apenas,
à distância, o público.
Não sei se os
jovens artistas chegaram a pensar neste diálogo com a Companhia catarinense
dirigida por Alejandro Ahmed, mas o fato é que mesmo após a apresentação, na conversa
teórica sobre o trabalho, houve até professor que estivesse preocupado em “chamar
o Samu”. E eu espero que tal ligação não se fizesse necessária, já que os
intérpretes tiveram meses de preparação e seria inteligente pensar na saúde
desse corpo ao longo deste processo. Se utilizado com astúcia, o incômodo que
causaram no público, para mim, é o grande destaque desta performance de
conclusão de curso.
(Grupo Cena 11 - Espetáculo Embodied Voodoo Game)
Outro diálogo
que me ocorreu assistindo ao processo dos alunos foi com a obra Mairto, da Caleidos Cia de Dança. Nesta,
a partir de uma notícia de jornal, são abordados temas relacionados ao machismo
e à homofobia. Em cena, um ringue e bailarinos “lutadores” que, em cada round, desenvolvem diferentes jogos de
improviso. Penso no diálogo mais pelos jogos do que pelo ringue em si e, com
isso, é interessante pensar como os processos em dança têm sido levados à cena
não como resultado, mas como obra inacabada passível de interferências dos
artistas ao público. Dessa forma, o conceito de obra “fechada” deve ser
repensado não apenas no contexto de formação técnica, mas no cenário
profissional da dança, já que se configura como uma realidade na arte
contemporânea em geral.
(Caleidos Cia de Dança - Espetáculo Mairto)
E é necessário
que o espectador perceba que o seu papel vai além de buscar entender a obra
para chegar a uma relação experiencial com ela, pois o espetáculo não ocorre
independente da relação com o público, sendo o resultado daquilo que é
produzido nesta relação. O fato de apresentar o resultado de um processo de
criação não encerra o processo, mas, ao contrário, propõe a sua continuidade,
agora na presença dos espectadores. Como evitar a famosa pergunta: “mas o que
vocês quiseram dizer”?
Na
sequência da apresentação, sem muito tempo para enxugar o suor que ainda
escorria nos rostos, seja pela performance ou pela ansiedade em si, era o
momento de apresentar publicamente a reflexão crítica que norteou o trabalho de
conclusão. Ainda jovens e, de certa forma, inexperientes academicamente, foram
levantando, com nervosismo, o histórico de formação do grupo, afinidades e
dificuldades que encontraram no processo de desenvolvimento deste trabalho e
apresentaram algumas citações de autores diversos que, segundo uma das
professoras, poderiam ter sido aprofundadas melhor.
Porém,
pensando no foco de um curso técnico de dança, diferentemente de um curso
universitário, foi notório que na prática, no processo apresentado, o trabalho
foi reconhecido por todos, tendo a certeza de que estão aptos a seguirem
profissionalmente em suas companhias, dando aulas ou desenvolvendo suas pesquisas
corporais em dança. Como na cena, o relógio tocou colocando um ponto final na
discussão e não havia mais tempo para o diálogo. O que restou foram as palavras
emocionadas de agradecimento e, talvez, um roxo aqui e ali.
Curso Técnico de Dança da ETEC Trabalho: VoNumVô Intérpretes: Cezar Augusto, João Batista, Mayara Rosa e Tiago Nascimento Orientação: Ana Sheldon Co-orientação: Camila Davanzo